A presença das técnicas de text mining ou de análise de texto que se utilizam de conceitos da linguística de corpus é grande na academia. Porém, sabemos que essas ferramentas e o conhecimento sobre elas não devem se restringir aos acadêmicos e pesquisadores. Na verdade, elas podem ser úteis também para profissionais do mercado, sobretudo os publicitários envolvidos em cargos de redação publicitária e planejamento. Com o crescimento e a consolidação das mídias digitais, o número de conversações que circulam nas redes aumentou consideravelmente, o que coloca desafios para muitas(os) redatoras(es) na hora de pensar em uma estratégia de redação das mensagens. Do mesmo modo, planejadoras(es) e estrategistas podem compreender melhor os hábitos dos consumidores se levarem em conta a produção deles nos ambientes digitais.
Para discutir um pouco disso, convidamos o escritor e professor João Anzanello Carrascoza para falar sobre como os novos softwares e conhecimentos sobre análise de dados em texto podem se tornar aliados no trabalho de criação e planejamento. Carrascoza é uma das principais referências na literatura contemporânea e também autor de vários livros sobre redação publicitária, entre eles Redação Publicitária: estudos sobre a retórica do consumo (Futura, 2003), Razão e sensibilidade no texto publicitário (Futura, 2004) e Estratégias Criativas da Publicidade (Estação das Letras e Cores, 2015).
Novo consumidor, novas formas de acessar e interagir
Vislumbra-se hoje a ideia de que os consumidores, por estarem imersos nas redes digitais, não apenas “consomem” algo nos termos tradicionais, mas também produzem conteúdos e ideias, seja nas interações ou publicações sobre produtos e serviços. Os dados produzidos pelas pessoas e disponíveis publicamente são para os anunciantes e agências um novo lugar para compreender os rituais dos consumidores no mundo hoje.
Entender o que se passa nas mentes e corações dos consumidores também tem a ver com uma tentativa de tornar a publicidade mais agradável e não repetidora de fórmulas que já se esgotaram. Em um mundo onde produtos e serviços estão cada vez mais padronizados e indiferenciáveis, produzir campanhas e peças que possam engajar e chamar a atenção das pessoas nesses ambientes tem sido uma tarefa cada vez mais difícil. Segundo Carrascoza, é desse lugar que a publicidade deve incorporar pontos distintivos:
“Os produtos podem virar commodities e os consumidores classificados em tribos, mas eis um desafio maravilhoso para a comunicação publicitária. Quando os diferenciais entre os bens são pouco significativos, a publicidade deve se tornar, ela própria, o elemento que imprime distinção aos produtos e às marcas, por meio de seu continente discursivo, seu território ficcional, sua criação de valores simbólicos. Se o mundo se estandardiza, a linguagem pode remodelar esta percepção”. (João Anzanello Carrascoza)
No ramo da criação, já testamos algumas alternativas, como narrativas e storytelling, branded content, conteúdo patrocinado, advergames e ações com influenciadores digitais. Todos estes formatos têm o intuito de construir algo mais agradável e palatável num ambiente de grande circulação de conteúdos.
Mundo dos dados e a nova rotina dos publicitários
Na rotina profissional dos redatores e planejadores, apesar do pouco tempo disponível para estudos mais aprofundados sobre o novo consumidor, é cada vez mais evidente a necessidade de levar em conta os dados (muitas vezes dispersos e não estruturados) das conversações dos públicos na internet. Essa constatação leva muitas pessoas a buscar capacitação para lidar com essa nova realidade que chegou a todo mundo, não apenas aos profissionais que lidam com inteligência de mercado ou comportamento de consumo. Se as marcas estão cada vez mais presentes nas mídias sociais e direcionam seus investimentos para esses canais, é compreensível que estudos sobre os novos consumidores sejam cada vez mais procurados.
Para que esses dados façam sentido para a criação da mensagem criativa ou para o planejamento de negócio, é importante que esse profissional saiba observar as redes semânticas presentes nesses conjuntos de dados. Por exemplo, explorar conversas e interações sobre a final de um evento esportivo brasileiro pode render bons insights para uma campanha ou ação de uma marca de artigos esportivos.
Em um dos seus textos sobre redação publicitária, Criação e linguagem publicitária: redação, Carrascoza discute como as redes semânticas, por se tratarem de um recurso para prender a atenção do leitor de um anúncio, podem ser um caminho criativo importante para a mensagem publicitária. Em termos gerais, a rede semântica pode ser entendida como um conjunto de nós de sentidos formados não apenas por uma ou duas palavras. Em sua versão indireta, o texto publicitário que trabalha redes semânticas têm o intuito de criar universos de sentidos a partir de metáforas que, por sua vez, trazem novas ideias, palavras e sentidos no entorno do produto, serviço ou instituição anunciados.
Entendendo e lidando com as redes semânticas
Os softwares e as técnicas de análise de textos, nesse sentido, são ferramentas imprescindíveis para esses profissionais. Ao lidar com grandes volumes de dados, como tweets de um tópico específico ou uma série de comentários em um vídeo no YouTube, redatores e planners serão capazes de navegar pelos sentidos produzidos nas redes com mais facilidade. Saber o que está por trás das conversas, como elas se relacionam e quais significados os consumidores produzem é uma das tarefas hoje.
Com essas ferramentas, será possível explorar outras abordagens que fogem do convencional. Sobre esse quesito, Carrascoza enfatiza a relevância de pôr em prática novas estratégias comunicativas: “A necessidade de ‘sugerir’ ao internauta certa navegabilidade exige a mobilização estratégica de certas palavras, valorizando mais a escolha lexical e o enredamento que os procedimentos retóricos asseguram”.
Porém, apesar dos dados hoje terem conquistado grande relevância no trabalho desses profissionais, sozinhos eles não bastam para compreender os novos consumidores. Antes de tudo, é preciso que redatores e planners tenham um repertório sobre as mídias para interpretá-las, conhecer como cada uma funciona e o que se pode fazer nelas a partir dos insights gerados pela análise dos dados e textos. Nos termos do autor, convém tomar conhecimento de uma “literacia midiática”.
“Os dados são fundamentais para apontar as luzes até certo ponto de uma avenida; daí em diante, contudo, é a sensibilidade dos criativos (incluindo aqui os planners) que deve entrar em ação, implantando os novos postes para clarear o caminho futuro. De pouco adianta informações precisas, se não se sabe o que fazer com elas, ou como utilizá-las à semelhança um abridor de horizontes novos”, afirma.