Para muitos pós-graduandos e pesquisadores, o isolamento social acarretou em um problema metodológico bem específico: a impossibilidade de prosseguir com o trabalho de etnografia no campo de pesquisa definido. Muitos de nós não esperávamos que logo à frente enfrentaríamos um longo período de cuidados e uma nova rotina de vida, mesmo após o início da vacinação. A continuidade do estado pandêmico hoje e os desafios que ainda enfrentamos não nos permite prosseguir com os trabalhos presenciais em outras comunidades. Por isso mesmo, a busca por alternativas para conseguir lidar com as obrigações acadêmicas é cada vez mais urgente.

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Uma das saídas para esse impasse é realizar uma etnografia digital, utilizando-se de ferramentas e recursos disponíveis atualmente. Vale lembrar que não se trata de uma metodologia (completamente) nova, nem mesmo uma “atualização” da etnografia tradicional pelas novas tecnologias da informação, mas uma rediscussão sobre outras possibilidades de pesquisa em um mundo cada vez mais permeado pelas mídias e ambientes digitais. Alguns autores são relevantes para pensar esse assunto, como Adriana Amaral, Beatriz Polivanov, Christine Hine, Robert Kozinets, Richard Rogers e Daniel Miller.
Neste texto, ficaremos com as considerações deste último, um dos mais referenciados e importantes pesquisadores do tema – líder do projeto global “Why We Post” -, um bom nome para começar a pensar nessas possibilidades. Logo no início de maio de 2020, Miller publicou em seu canal no YouTube um vídeo com algumas sugestões para contornar o problema a partir de etnografias online. No decorrer da sua fala, o autor discorre sobre pontos importantes.

Medos e possibilidades com a etnografia digital
Um dos pontos elencados por ele é sobre os receios que pesquisadores podem desenvolver ao se deparar com outro ambiente e um outro modo de continuar suas pesquisas, como diz respeito à metodologia da pesquisa, ou melhor, à dificuldade de enquadrar o que havia anteriormente planejado nas condições atuais. Nesse caso em específico, Miller enfatiza a importância de levar em conta que o trabalho etnográfico visa, antes de tudo, uma própria desconstrução, na qual o próprio pesquisador é imerso em um cenário de constantes aprendizados.

Portanto, seu método é algo que você aprende, não algo que já começa com você. Argumento que exatamente o mesmo se aplica on-line. E essa é a mensagem mais importante que gostaria de transmitir aqui: quando usamos a palavra ‘método’ em Antropologia, geralmente a descrevemos como observação participante e alguns podem compreendê-la como aquilo que fazemos quando estamos em campo. Então, diriam, ‘se você só pode fazer isso on-line agora, talvez precise apenas efetuar muitas entrevistas, em vez de participar’. Quero sugerir exatamente o oposto: exatamente porque você estará trabalhando principalmente on-line, é necessário se concentrar ainda mais na observação participante, em vez de coisas como entrevistas. Por quê? Porque, como você deve perceber, há muitas oportunidades para a observação que agora não serão possíveis. Diante disso, o que você precisa fazer nessa espécie de mudança para um novo regime é encontrar maneiras de compensar esse problema, ao prever um modo como fará seu trabalho de campo.


Há outro receio ligado a uma suposta perda de autenticidade com a etnografia porque não haveria possibilidades de um contato com o “real” presencial, este, sim, considerado propositor de interações e dados que ajudarão na pesquisa. A partir de Miller, pode-se dizer que o equívoco deste pensamento reside na compreensão de que nas interações à distância há pouco a se obter em termos de dados, uma vez que os contextos são diferentes. O autor, então, leva-nos a justamente buscar uma compreensão ampla sobre as reais possibilidades de vivenciar boas experiências com as práticas online, algo que não encontramos numa condição não pandêmica.
O que vale mesmo é olhar que, diante de uma crise como essa, todas as comunidades do mundo (em diferentes níveis e formas, é claro), estão experimentando novas formas de interação, uma vez que compartilham do mesmo problema hoje. A ideia, então, é que compartilhemos desse mesmo problema também e passemos a buscar os dados que estão sendo produzidos hoje, como muitas pesquisas já estão fazendo. Nesse sentido, as considerações dele nos ajudam também a refletir como muitas vezes somos levados a pensar que o que veio antes do digital era mais “autêntico”.
Em um dos seus artigos, “O Digital e o Humano: prospecto para uma Antropologia Digital”, ele discute como esse pensamento reflete a Antropologia hoje e de que modo a Antropologia Digital pode buscar novas formas de compreensão sobre a realidade atual, com atenção especial às novas implicações das materialidades digitais na cultura. Nesse sentido, o que realmente valerá daqui para frente é descobrir como o atual momento pode muito mais agregar à pesquisa do que impossibilitar novos horizontes de descobertas.
Tá, mas para onde eu vou agora?
Uma das formas de começar a mudar o percurso da sua pesquisa é olhar alguns trabalhos já desenvolvidos na pandemia ou em curso de adotar as perspectivas digitais diante do momento que vivemos. Évilin Matos Campos, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Vale do Rio Sinos (Unisinos), por exemplo, relata em um dos seus últimos trabalhos os desafios teórico-metodológicos que sua pesquisa envolvendo o trabalho de mulheres jornalistas e trajetórias de vida agora impõem. Além disso, o site Anthrocovid reúne alguns trabalhos desenvolvidos neste novo tempo, inclusive com reflexões de pesquisadores brasileiros.
Outra questão a enfrentar é o uso das ferramentas e recursos de softwares. Para isso, as formações e cursos online podem ser uma boa opção. Com uma boa introdução ao assunto, eles possibilitam conhecer o que as ferramentas digitais têm a oferecer e podem ser a saída que você precisa. O desafio de aceitar que há outras possibilidades de continuar os trabalhos etnográficos passa hoje pelo aprendizado. Conheça as opções e descubra o que está por vir.