Facilidade de publicação e acesso à produção e compartilhamento de conteúdo. Tais características da era digital, propiciadas pelo advento das Novas Tecnologias da Informação e Comunicação (NTICs) impulsionaram a propagação de notícias e fatos sem checagem, os chamados boatos e fake News. As fake News roubam a cena e se referem às informações compartilhadas sem checagem por perfis falsos ou até mesmo por bots. Os boatos, por sua vez, são precedidos por rumores e encontram eco na falta de esclarecimento e silêncio de uma fonte oficial diante de um fato polêmico e ambíguo, permitindo uma maior repercussão do tema em blogs, redes sociais e imprensa.
Propagação e viralização: as cascatas informacionais
Diante dos casos de viralização de fake news sobre vacinas, especialmente no contexto do surto de febre amarela, em que houve aumento pela demanda do imunizante e aprofundamento de dúvidas da população sobre a necessidade ou não de sua aplicação, considerando potenciais riscos e benefícios, este artigo analisou, no período de janeiro a abril de 2017, a dinâmica de difusão desses boatos, que partiram de sites sensacionalistas e viralizaram no Twitter.
Metodologia e pesquisa
Através do uso do Buzzmonitor identificou-se, no dia 17 de fevereiro de 2017, um aumento nas taxas de compartilhamento da notícia falsa que afirmava que após 40 milhões de pessoas terem sido vacinadas, a vacina febre amarela era um veneno mortal.
Pelo monitoramento das palavras-chave “vacina” + “febre amarela”, identificou-que a viralização partia de uma matéria veiculada no dia 11/02/2017 no site Saúde, Vida e Família, que teve 136.400 visualizações (dados de 27/03/17). Em 24 de março, um site semelhante, chamado Pensa Brasil, reproduziu o conteúdo na íntegra.
Imagem do site (Reprodução)
Dados do Checker – Monitor Backlinks
Até o dia 4 de abril, com uso da ferramenta Checker, foram localizados 2300 links em 334 domínios citando a notícia original publicada no Saúde, Vida e Família em 11 de fevereiro, o que pode ser um indício da cascata informacional desencadeada a partir da postagem inicial.
Objetivo
A fim de obter uma análise do conteúdo e da correlação entre a postagem do boato em um site sensacionalista e sua dispersão, em um curto período de tempo na rede social Twitter, foram coletadas, com o uso do Netlytic, entre 11 de fevereiro e 28 de abril de 2017, 54 postagens públicas de perfis ativos que utilizaram as hashtags #vacina #febreamarela e #venenomortal.
A ideia foi compreender a dinâmica de difusão do boato (Sustein: 2010) , de um site para uma rede social, identificando o papel de perfis ativos e influenciadores nas cascatas informacionais no Twitter, investigando os principais elementos recorrentes nos conteúdos dos posts compartilhados.
Papel dos perfis influenciadores na dispersão dos boatos
Após definição do corpus, a coleta e estruturação dos dados, foram escolhidas duas categorias para analisar o conteúdo das postagens dos atores envolvidos no ciclo de compartilhamento da notícia no Twitter: os que se utilizaram de dispositivos textuais (Reule: 2008) enfraquecedores , ou seja, ao compartilhar a informação, o autor fez um esclarecimento ou questionamento ao post para atenuar ou tentar minimizar a disseminação do boato) e fortalecedores (perfil usou postagem para reforçar versão oficiosa e dar continuidade ao boato, sem questionar ou fazer adendos).
Os perfis escolhidos foram analisados entre os dias 23 e 27 de março, semana em que agências especializadas em checagem e grandes veículos divulgaram notas de esclarecimento ao boato, como G1, eFarsas, Boatos.org, dentre outros.
Pela análise de 2 postagens consideradas significativas no reforço ao boato, percebe-se a co-ocorrência dos seguintes elementos discursivos fortalecedores:
Post 1:
Post 2
Pela análise de 2 postagens consideradas significativas no esclarecimento ao boato, verifica-se e a recorrência dos seguintes elementos discursivos enfraquecedores:
Post 1
Post 2
Após essa análise de conteúdo preliminar, foi traçado um mapa de um dos possíveis caminhos para a propagação dessa boato na rede, por meio de cascatas informacionais:
- Publicações em dois sites sensacionalistas associou vacina febre amarela a veneno e mortes (Pensa Brasil e Saúde, Vida e Família);
- Início do compartilhamento em redes sociais, especialmente Twitter e Facebook;
- Das redes sociais, boato migrou para fontes noticiosas de médio e grande porte, além de sites de fact checking e colunas de jornais tradicionais dedicadas ao esclarecimento de notícias falsas;
- Versões do esclarecimento começam a repercutir no Twitter;
- Verifica-se, na semana em que começam as postagens de esclarecimento (23 a 27 de março), fortaleceu-se a polarização dos discursos no Twitter, entre os que questionam a letalidade da vacina (veneno mortal) e os que desejam esclarecer o boato, desqualificando-o mediante apresentação de versões oficiais.
Publicações de perfis nas mídias sociais, sites e colunas dedicadas à checagem de dados
Conclusões preliminares
Imagem: Sobek Mining
O presente estudo, em andamento, pode apontar uma possível relação entre o compartilhamento de notícias falsas por sites sensacionalistas e sua difusão em perfis ativos no Twitter. Pode-se inferir, pela análise do conteúdo e co-ocorrências (Recuero: 2014) dos posts selecionados e da recorrência de dispositivos textuais fortalecedores e enfraquecedores, que há uma polarização entre os que dão créditos e desmentem boatos envolvendo o uso de vacinas. Também pode haver, nesse sentido, a alteração ou rompimento de uma cascata informacional negativa quando um site de checagem de dados ou algum perfil questiona a informação falsa, esvaziando seu valor enquanto um mero boato e fazendo menção às fontes oficiais.
Bibliografia:
SUSTEIN, Cass. A Verdade Sobre os Boatos. São Paulo: Elsevier, 2010, 160p.
REULE, D. A dinâmica dos rumores na rede: a web como espaço de propagação de boatos virtuais. 2008. 132 f. Dissertação de Mestrado em Comunicação e Informação – Universidade Federal do Rio Grande do Sul , Porto Alegre, 2008.
RECUERO, R. (org). Análise de redes para mídia social. Porto Alegre: Sulina, 2015. 182 p. (Coleção Cibercultura).