Governos, universidades públicas e cidadãos estudam e colaboram com mapeamentos de “controle da mobilidade” em metrópoles – Em três meses, São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná são exemplos de erros, acertos e melhorias.
Desde abril de 2020, a Covid-19 passou a ser a pauta de cientistas por todos os estados do Brasil, sobretudo em universidades federais e estaduais, além de institutos de pesquisas científicas.
Em todas as mídias os cidadãos são informados sobre lockdowns, medidas adotadas pelos governos (estadual e/ou municipal) com base em mapas de dados científicos, que informam as “bandeiras de risco” de cada zona da cidade, resultado do método de “distanciamento controlado”.
Mapa das bandeiras x contrassenso
O modelo do “distanciamento controlado”, aplicado inicialmente no Rio Grande do Sul, é o mais elogiado até agora como medida de “controle da mobilidade”, de acordo com reportagem do blog Universa do portal UOL.
A política é diferenciada para cada região do Rio Grande do Sul com base em uma fórmula matemática (o algoritmo) que calcula as bandeiras (amarela o risco baixo e preta para risco altíssimo) dita as sentenças para tomadas de decisão com relação a economia, a saúde e a mobilidade entre as cidades, ou seja, intermunicipal.
Mapa de bandeiras da evolução negativa: a amarela o risco baixo, a preta o risco altíssimo. Fonte: Governo do RS.
De acordo com matéria do portal GaúchaZH, do Rio Grande do Sul, os critérios estabelecidos pelo governo do Estado para o distanciamento controlado, dificultam bandeiras vermelha e preta, diz estudo de um professor de Matemática da UFRGS, que reconhece como positiva a iniciativa das “bandeiras” pelo Poder Executivo, mas propõe ajuste nos cálculos.
Ainda sobre o método do “distanciamento controlado”, outra matéria do mesmo portal (da primeira semana de maio) destaca a opinião da Sociedade Riograndense de Infectologia (SRGI), que enxerga riscos em definir bandeiras “somente por pacientes internados”. O especialista entrevistado afirma que o olhar focado nas internações pode resultar em um atraso de até um mês no acompanhamento da pandemia no Estado, o que tem consequências graves que revelam-se com o tempo.
Mapa de bandeiras da evolução positiva: a fase crítica em vermelho a fase livre em azul. Fonte: Governo do SP.
Em São Paulo, na primeira semana de maio, mais críticas de “cientistas da cidade” sobre a “leitura simplificada dos territórios” e por consequência “simplificação da escrita dos mapas” Neste caso as bandeiras apontam onde está o risco está maior (cor mais quente) e sim onde está melhor (cor mais fria).
Nesse caso, existem cinco fases, sendo que o município de São Paulo (laranja) na fase 2 foi liberado para reativar diversas zonas comerciais, ao contrário da região metropolitana (em torno da capital) que está na fase 1 (vermelho). Esse mapa gerou críticas de especialistas.
A pesquisadora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), Raquel Rolnik afirma que “persiste a simplificação de um território bastante complexo e sobretudo heterogêneo”.
Mapeamento realizado pelos pesquisadores do LabCidade (FAU-USP)
Com base em comparações de dados do DATASUS, a especialista afirma que os mapas do coronavírus do governo “escondem informações”. Comprovamos que “o método modifica o objeto” e o LabCidade demonstra isso na prática, em um empenho coletivo de espacializar as contrainformações da pandemia na maior metrópole do sul global.
Cruzando dados e inteligências
Quando tratamos da leitura dos dados geoespaciais os conceitos de “escala cartográfica” e “escala geográfica” definem nossa interpretação. A escala cartográfica é a representação do acontecimento, a escala geográfica é a realidade do acontecimento.
Por exemplo: ao lançar meu ponto de vista de interesse particular sobre um mapa de “dimensão local” e, simultaneamente, pode-se reconhecer que este é um mapa de um acontecimento de “dimensionalidade global”, afinal envolve todos os territórios através das redes, além das fronteiras.
Juntos Contra Covid aponta 97% de baixo risco em Curitiba na escala mesolocal
Mapa: juntoscontraocovid.org/map
Com objetivo de estimar as áreas de risco foi criado o projeto Juntos contra Covid-19 que vem desenvolvendo uma solução com base nas Ciência de Dados com adesões por todo território do Brasil com reconhecimento do SUS e Fiocruz.
Essa tecnologia social, criada no Paraná, por pesquisadores e especialistas multidisciplinares, vem recebendo aportes internacionais de empresas como a Amazon e a MapBox.
O mapeamento funciona de modo colaborativo por formulários e o fluxograma das respostas apresenta informações sobre os “pontos de risco de infecção” nos níveis baixo (azul) médio (amarelo) e alto (vermelho).
No entanto, diferente do método usado pelo LabCidade, citado anteriormente, não é possível por essa plataforma saber quais ruas podemos evitar ou adotar para uma mobilidade mais segura e responsável, afinal ainda temos necessidades básicas de locomoção, sobretudo a pé e de bicicleta (meios de não se aglomerar e não poluir o ar).
Uma alternativa: unir esforços
O mapa que sugerimos deve cruzar o algoritmo de hotspots (áreas de risco) indicados pelo mapeamento cidadão, Juntos Contra o Covid com a interface de simulação de rotas (vias de risco) por meio das softwares e plataformas livres, Carto, Maptiler e OpenStreetMap, conforme a simulação dos cientistas do LabCidade, para obter uma modelagem de dados com dois modos de acesso: para o governo e para o cidadão. Essa mash up de camadas de dados tornaria o mapa ainda mais inteligente, ideal para cada território medir o “tempo da pandemia”.
Essa “temporalidade” da pandemia, amplifica as razões e acelera as emoções, e pode ser medida em “dois ponteiros”: 1) as “movimentações de infectados” e 2) as “localizações de aglomerações”.
A base que sustenta esses dois ponteiros da temporalidade pandêmica é o “espaço geográfico” de cada cidade. Este “relógio espacial” do qual falamos é mapa dinâmico, feito para todos saberem como movimentar-se em “segurança individual” sem abrir mão da “responsabilidade coletiva”.
Com várias camadas de dados, sobrepostas e simultâneas, ativáveis e desativáveis, talvez essa seja a nossa atual “carta de navegação” no descobrimento de um novo mundo. No entanto, neste novo mapa, os “navegantes urbanos” servem como “faróis” e orientam sobre ruas infectadas e os melhores caminhos nesta “tempestade”.
Os media na legitimação da tecnologia social
Mas afinal, qual o mapa ideal da pandemia? A resposta é: o mapa que seja mais informativo e melhor informado no momento da busca e para tomada de decisão de cada agente, em cada setor, seja o governo, a sociedade ou o mercado.
Um mapa “mais informativo” no sentido da maior legitimidade dos dados coletados e “mais informado” no sentido da melhor representatividade da nossa sociedade com desigualdades na acessibilidade às tecnologias sociais via Internet. Em resumo, o “mapa ideal” não existe no Brasil, mas possui modelos produzidos por spin offs e laboratórios brasileiros.
Os medias são responsáveis por consagrar os circuitos de produtividade técnica e científica nacional e circular conteúdos, persuasivos e dissuasivos. Cidadãos, por outro lado, podem ajudar os cientistas, que servem informações aos media de cada região que, por sua vez, podem passar a mobilizar massivamente campanhas regionais pelo “mapeamento colaborativo da pandemia”, em cada lugar, de cada território do Brasil.
De Norte a Sul do Brasil, as “cidades inteligentes”, neste momento histórico, serão aquelas que conseguirem estar “juntas” mais do que “isoladas”, para: 1) regionalizar os dados e mundializar os consórcios em curto prazo, 2) gerenciar seus dados geoespaciais, 3) filtrar métodos de governança aplicáveis e 4) obter o apoio dos media de maior proximidade para mobilizar cidadãos sobre as “reorientações da mobilidade urbana”.
Para ser legítimo, esse sistema de mapeamento precisa: 1) ser socialmente igualitário, com todos os territórios e seus habitantes; 2) estar organizacionalmente unificado, entre governos e os três setores econômicos 3) manter-se tecnologicamente validado, pelo SUS, a Fiocruz e a SBPC.
O caminho do bem-estar
As metodologias das Ciências de Dados, acelerada pela pandemia, e a técnicas da Cartografia, redescoberta pela humanidade cada vez que o “desconhecido” nos desafia cientificamente, estão sendo unidas em uma corrida contra a Covid-19 que usa a Comunicação como maior aliada.
Restam as esperanças de que a produtividade socialmente orientada do conhecimento e das inovações sociais serão as potências para sobrevivência humana neste período antropoceno da História: serão os contraespecialistas e os especialistas contra a necropolítica, em defesa de uma economia pós-capitalista.
É possível pensar e agir com apoio de mapas “para todos” e “por todos”, mobilizando as periferias e os centros da sua localidade. Para isso, informar-se bem é o primeiro passo para comunicar-se pelo bem.