[Texto por Eloy Vieira, mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Sergipe e atualmente pesquisa sobre fãs, economia e internet.]

Doctor Who é uma série britânica de ficção científica e fantasia que está no ar desde 1963. Ou seja, em 2013 ela completou 50 anos e, em novembro deste mesmo ano, a emissora resolveu comemorar a data lançando um episódio especial chamado “The Day of the Doctor” que foi exibido simultaneamente na TV e nos cinemas.
Contando com uma estratégia de divulgação ampla e integrada que abrangia sites, blogs, redes sociais, cadastros de fã-clubes pelo mundo e até um trabalho forte de Relações Públicas com os líderes de alguns desses grupos. A BBC se preparou para um lançamento mundial, alcançando não só os países em que já tinham presença como a Inglaterra e as ex-colônias britânicas, mas diversos países da Europa e da América Latina.
Com isso, no dia 23 de novembro o especial foi transmitido em mais de 90 países em 15 idiomas diferentes e alcançou a maior audiência da história de um produto de drama televisivo. Segundo registro feito pela Guiness, o pico de audiência chegou a 10,6 milhões de telespectadores. Os números da audiência na internet também chamaram a atenção. O site oficial de “Doctor Who” hospedado no domínio da BBC ficou fora do ar devido ao alto número de acessos e quase 90% de todas as conversações no Twitter foram sobre o evento enquanto ele estava sendo transmitido: 800 milhões de tweets mencionavam as hashtags #doctorwho e #petercapaldi. Números que jamais teriam sido alcançados sem o engajamento de diversos grupos de fãs dispersos pelo mundo, como reconheceram os próprios produtores ao divulgarem os resultados:

“Quando o especial de aniversário estava prestes a estrear, os fãs da série do mundo todo se mobilizaram para o evento global. Na Suécia e na Noruega, países em que a série não tem emissora de retransmissão, os fãs fizeram petições sucessivas para que os cinemas locais exibissem a obra e obtiveram sucesso. Na Argentina ocorreu algo parecido quando os fãs pressionaram uma grande cadeia de cinemas para exibir o especial simultaneamente. Nos Estados Unidos, os 10.000 primeiros ingressos foram vendidos nos primeiros 28 minutos sem nenhuma ação de marketing ou publicidade e na Alemanha, Cinemaxx, uma das maiores redes de cinema, relatou que o especial teve a pré-venda de um não-filme mais rápida da história.”

Concomitantemente à transmissão global do especial, fãs de todo o mundo interagiram entre si expressando suas expectativas sobre o especial na internet, especialmente nas mídias sociais. Numa pesquisa conduzida pela BrandWatch, por exemplo, o Twitter figurou como a plataforma mais utilizado pelos whovians (como são conhecidos os fãs da série) para a discussão sobre a série, reunindo 86% das conversações. Ainda na mesma pesquisa, que também coletou dados sobre diálogos entre os whovians nos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Irlanda e Nova Zelândia, foi constatado que mais de 90% de todas as conversações se concentravam no eixo formado entre Estados Unidos e Reino Unido. O mesmo estudo também divulgou os principais assuntos abordados pelos fãs dos países analisados.
Países que mais discutiram sobre o especial de 50 anos de “Doctor Who” no Twitter / Fonte: Brandwatch, 2013
Nuvem de palavras com os assuntos mais discutidos pelos fãs dos países analisados / Fonte: Brandwatch, 2013
No Brasil, a exibição ocorreu tanto pela TV quanto pelos cinemas, no caso, pela rede Cinemark. Em seu primeiro anúncio, a rede afirmou que só haveria exibições nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Logo depois que os primeiros ingressos ficaram esgotados, o Cinemark anunciou que mais cidades receberiam o especial: Belo Horizonte, Barueri, Campinas, Curitiba, Goiânia, Niterói, Recife, Salvador, São Caetano do Sul, São José dos Campos, Santos e Uberlândia. Apesar do novo anúncio, os fãs brasileiros continuaram pressionando para que mais cidades fossem incluídas na lista, em resposta, a empresa divulgou dois comunicados oficiais. No primeiro, anúncio a inclusão de Vitória, Guarulhos, Londrina, Natal, Aracaju e Manaus à lista. No segundo, Ribeirão Preto, Cuiabá e Campo Grande também foram incluídas. Portanto, 24 cidades brasileiras tiveram exibição simultânea dos episódios. Segundo dados da própria emissora, o mercado brasileiro e a América Latina como um todo se destacaram ao atingir a marca de 24 mil espectadores no cinema durante a exibição simultânea do aniversário.
Mas essa ampliação do número de salas no Brasil, por exemplo, não foi algo tão simples. Ela foi fruto de um movimento dos fãs brasileiros capitaneados por dois grandes grupos organizados a partir de portais de conteúdo e downloads sobre a série: Universo Who e Doctor Who Brasil. Ao analisar o conteúdo dos dois grupos no Twitter no período de maio a novembro de 2013 sob a perspectiva de Bardin (1995), foi possível constatar, por exemplo, que cerca de 50% de tudo o que foi publicado por eles nesse período remeteu exatamente a esse movimento, englobados aqui sob a categoria de “Mobilização”, conforme pode ser visto abaixo:

Categorias do “Doctor Who Brasil”
Categorias do “Doctor Who Brasil”

Categorias do “Universo Who”
Categorias do “Universo Who”

Apenas com este pequeno panorama, fica evidente em ambos os casos havia um empenho muito grande em exercer papel de liderança no atendimento da demanda de diversos fãs espalhados pelo Brasil. Se somados os 475 tweets totais das duas contas analisadas, praticamente metade deles faziam parte desta categoria, ou seja, quase metade de todo o conteúdo analisado foi marcada pela mobilização dos fãs para terem suas demandas atendidas sem terem que se deslocar até um grande centro urbano. Ou seja, ao dar espaço para a voz do fã, mesmo que apenas no final do processo produtivo, a BBC percebeu que fazer as concessões almejadas pelas audiências e adaptar-se a elas seria muito mais vantajoso do que seguir com a estratégia inicial de apostar apenas em grandes cidades.
É possível ler mais sobre a pesquisa empírica completa no artigo “A articulação dos fandoms entre as telas de ‘Doctor Who’” ou acessar a dissertação completa aqui.
Eloy Vieira é mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Sergipe e atualmente pesquisa sobre fãs, economia e internet. Link: https://about.me/eloy.vieira

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