O Twitter tem sido uma ferramenta utilizada para estudos em diversas áreas. Com aproximadamente 500 milhões de usuários, sendo 320 milhões membros ativos que publicam ao menos uma vez por mês, os tweets podem nos dizer muito sobre os sentimentos, vontades, consumo, desejos, assuntos mais mencionados e uma infinidade de outras possibilidades.
No campo do estudo sobre o câncer o Twitter ajudou na compreensão da interatividade de pacientes e o que têm expressado sobre suas preocupações, experiências com o tratamento e como se relacionam com pessoas que passam pela mesma situação.
A pesquisa ‘A pattern-matched Twitter analysis of US cancer-patient sentiments’ foi realizada por W. Christian Crannell, Eric Clark, Chris Jones, Ted A. James e Jesse Moore, na Universidade de Vermont unindo os departamentos de medicina e estatística e utilizou como metodologia a análise de sentimento dos tweets publicados por pacientes com câncer nos Estados Unidos a partir da ideia de hedonométrica (hedonometric), aplicado emsistemas como o ‘Hedonometer’.  A hipótese levantada é que quanto mais avançado o estágio da doença, mais frequentes são as publicações dos pacientes e a medida da felicidade varia entre cada fase da doença diagnosticada.

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O Hedonometer foi criado pelo deparamento Vermont Complex System Center, da Vermont University e trabalha uma análise quantitativa sobre a felicidade agrupando palavras que foram rankeadas a partir de dados retirados do: Google Books, New York Times articles, Music Lyrics e mensagens do Twitter, com apoio de classificação crowdsourced pela Amazon’s Mechanical Turk, onde foi realizada a contagem do valor de cada termo em uma escala de (1) sad e (9) happy. Esse trabalho mede 10% (50 milhões) de menções publicadas no Twitter (escritas em inglês) todos os dias.  A ferramenta tem evoluído cada vez mais suas capacidades de geolocalização o que possibilita que se estude populações por região, cidade ou país, por exemplo.

Para melhorar a compreensão do estudo, explicaremos como o gráfico ‘A word shift graph’ compara os termos e mede o nível de felicidade:

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Créditos da imagem: fligshare.com/articles

  • A barra amarela indica os termos que têm um nível de felicidade acima da média;
  • A barra roxa indica o nível de felicidade abaixo da média;
  • A seta para baixo indica que a palavra é utilizada com menos frequência;
  • A seta para cima indica maior frequência;
  • As palavras do lado esquerdo são as utilizadas no comparativo de textos que possuem menor nível de felicidade, enquanto as palavras à direita fazem a comparação de textos que possuem maior nível de felicidade;
  • O quadro no canto inferior esquerdo, demonstra como as palavras individualmente contribuem para o nível de felicidade.

O recorte temporal do estudo ‘A pattern-matched Twitter analysis of US cancer patient sentiments’ foi de março de 2014 a dezembro de 2014, e a geolocalização contou apenas com os usuários dos Estados Unidos. A busca por pacientes filtrou o termo “câncer” e foram localizados 146,357 com todas essas especificações. O próximo passo foi categorizar manualmente as publicações a partir dos tipos de câncer mais comuns no país (mama, próstata, pulmão, cólon, do reto, bexiga, linfoma, melanoma, entre outros).

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Após a separação de grupos por tipo de doença, as menções de cada grupo foi separada por assunto como: rotina do tratamento, diagnóstico, menções à cirurgias ou biópsia, humor ou insegurança, questões financeiras, comentários de familiares, causalidade e fertilidade.

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O tipo de câncer mais frequente foi o de mama (11% do total de tweets sobre câncer). Pulmão(2.0%), próstata (0.7%), colorretal ( 0.5%). Pacientes que estão em tratamento (26%), diagnóstico (23%), em cirurgia ou biópsia (15%). O maior índice de felicidade computado sobre diagnóstico foi o câncer de tireoide (6.1625), mama (6.1485), e linfoma (6.0977) e o tipo que apresentou menor índice de felicidade foi o de pâncreas (5.8766), pulmão (5.8733) e rim ( 5.8464).

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A próxima etapa foi separar o score pela média de felicidade nos termos selecionados e cruzá-los com os tipos de câncer. Foram utilizados 50 termos. Os níveis mais altos de felicidade vieram de tweets de pacientes com câncer de tireoide, que publicaram mensagens positivas e percebeu-se uma maior frequência de termos como “abençoado”, “obrigada” e “amor” e uma diminuição da frequência de termos negativos como “não” (“no” ou “not”) e “perdido”. Contrastando com esse comportamento, as pessoas com câncer de rim apresentam um comportamento online com maior negatividade e as palavras “bravo” e “não posso”, tem maior frequência em relação às palavras positivas ” feliz” e “risada”.

Desdobramentos dos resultados
O estudo investigou o quanto os pacientes de câncer costumam publicar sobre os estágios da doença. O fato do câncer de mama apresentar maior índice de conversações têm relação com as campanhas no mês de outubro dedicadas à esclarecer e conscientizar sobre a doença. No caso dos demais tipos de câncer, a relação se dá devido aos tipos mais frequentes no índice nacional de doenças.
Nem sempre as pessoas que twittaram sobre câncer de mama eram pacientes, houve um alto índice de parentes e amigos de pacientes. Diferentemente dos comentários sobre câncer no endométrio em que 23% são pacientes, e também costumam conversar neste canal com outros pacientes da mesma doença. Na maioria dos casos, os pacientes costumam publicar sobre o tratamento, estágio, dificuldades e experiências com a quimioterapia e radioterapia e momentos no hospital.
Quando agrupados todos os pacientes, existe uma maior frequência de palavras como “obrigada”, “abençoado”, “bonito” e “amor”. Observou-se que costumam ser mais gratos e apreciar mais a família e amigos, evidenciam a palavra “família” e utilizam menos a palavra “eu”, o que pode apontar que eles são menos autocentrados. Também pode-se notar que as palavras “não”, “não posso” e “não consigo” aparecem com menos frequência, demonstrando que os pacientes se sentem mais empoderados de ser quem são, e reforçam a ideia de sobrevivência quando curados ressaltando os preceitos dos grupos de apoio às pessoas com câncer. Já a palavra “dor” é muito utilizada e, nesta pesquisa, não conseguiu-se concluir se é um sentimento que perpetua durante todo o tratamento, ou se acontece em momentos pontuais. Este termo também está relacionado à conversações que se referem aos tratamentos alternativos que utilizam canabidiol, substância encontrada na maconha, que ainda é um assunto polêmico no meio científico e político.

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O estudo confirma que os pacientes se expressam abertamente nas mídias digitais sobre sua doença e diagnóstico e esses assuntos estão correlacionados às variações do índice de felicidade. O Twitter pode ser um medidor importante para mostrar novas necessidades e padrões da doença que ainda não foram associados. O Hedonometer proporciona a exploração de aspectos mais profundos das experiências dos pacientes, já que é possível agrupar termos e compreender como os efeitos colaterais de medicamentos, intervenções médicas, mudanças no tratamento, entre outras descobertas, afetam psicologicamente o paciente. É interessante analisar e encontrar questões em comum para que se possa reconhecer padrões e compreender as necessidades dos pacientes e formas de evoluir o tratamento.