Em 2016 foi lançado um livro que se propõe, através de uma série de capítulos escritos por diversas autoras e autores, um debate aprofundado sobre os desafios, tendências e aplicações da Etnografia ao campo da Ciência da Comunicação, principalmente aquela relacionada ao consumo midiático. O livro chamado Etnografia e Consumo Midiático (2016), organizado por Bruno Campanella e Carla Barros, tem a participação de grandes pensadoras sobre o tema como, por exemplo, Christine Hine, Beatriz Polivanov, Annette Markham e Raquel Recuero.

Esse livro, em vários aspectos, nos mostra como a Etnografia tem sido usada por outros campos da ciência – para muito além da antropologia – e como tem ajudado a resolver impasses nas pesquisas que outros métodos acabam não ajudando a responder. Em particular, na Ciência da Comunicação, a Etnografia tem ganhado destaque e preferência para responder às questões comportamentais e culturais nessas novas ambiências online que surgem e se modificam a cada instante.

Etnografia e Consumo Midiatico Dos vários capítulos excelentes que o livro contém – e que recomendamos a leitura de todos – um que se destaca é o escrito pela pesquisadora e professora universitária Raquel Recuero e que decidimos escrever sobre aqui no blog para compartilhar. O capítulo se chama “Métodos Mistos: combinando etnografia e análise de redes sociais em estudos de mídia social” e traz uma ótima discussão sobre as vantagens e as possibilidades de se utilizar estes dois métodos distintos em conjunto: a Análise de Redes Sociais (ARS) que, por sua característica mais primária, tem uma forte contribuição a interpretação quantitativa e relacional dos dados das mídias sociais e a Etnografia, método conhecido e consagrado da Antropologia que traz uma forte contribuição à análise, qualificando o entendimento de comportamentos, símbolos sociais e práticas culturais de grupos sociais.

Assim, quando pensamos na combinação desses dois métodos distintos tanto para a coleta quanto para a análise de uma mesma problemática de pesquisa, várias possibilidades de análise e interpretação se abrem, permitindo o enriquecimento de pesquisas feitas com dados de mídias sociais. Aliás, essa iniciativa de se juntar métodos distintos dentro de um mesmo esforço de análise tem ganhado muito espaço nestes últimos tempos e acreditamos que isso se dá, em grande parte, pelo crescimento de estudos que têm as mídias sociais como objeto – em sua maioria, os problemas de pesquisa que envolvem as mídias sociais, precisam mesclar os métodos quantitativos e qualitativos para chegarem a respostas mais assertivas de suas problematizações. “Métodos qualitativos, grosso modo, tendem a focar mais em palavras como elementos descritivos, enquanto os quantitativos, em números; bem como pesquisas mais qualitativas focam em questões fechadas; além disso, pesquisas qualitativas tendem a focar na interpretação dos dados coletados, geralmente no ambiente dos participantes, enquanto as quantitativas tendem a focar em medidas, variáveis e procedimentos numéricos” (RECUERO, 2016, p. 123).
Nesse capítulo, a autora nos convida a pensar em, portanto, quais os tipos de objetos que podemos estudar utilizando-se do mix da ARS e da Etnografia: “Primeiramente, é preciso focar em objetos cujas questões de pesquisa sejam relacionais, ou seja, onde a análise da estrutura das conexões da rede seja relevante e onde exista um componente cultural a ser analisado diante dessa estrutura” (idem, 2016, p. 124). Alguns são dados como exemplo:
1 – Grupos sociais determinados e suas interações online – grupos formados em espaços online que compartilham experiências, símbolos e práticas específicas em espaços, geralmente, limitados.
2 – Grupos sociais constituídos diante de discursos e conversações específicas, como por exemplo, grupos que se reúnem em torno de uma hashtag;
3 – Estudos sobre informação e difusão de práticas culturais em grupos online.
Assim, enquanto a ARS nos revela fatos importantes sobre a estrutura da rede analisada como, por exemplo, quem são os atores sociais mais influenciadores de determinado grupo ou qual a configuração das relações que se estabelecem ao longo do tempo dentro de determinado grupo, a Etnografia nos revela os traços culturais e simbólicos dos grupos, mostrando as apropriações e utilizações de símbolos, práticas sociais em grupo, discursos e apropriações do próprio ambiente onde se encontram e a forma da construção de identidades na rede.
Importante ressaltar que o debate apresentado neste capítulo em específico segue uma tendência atual na combinação e aplicação de métodos distintos em pesquisas, conhecido mundialmente como Métodos Mistos (Mix Methods) – em análises e pesquisas que ocorrem em ambiências online, essa tendência de utilização de métodos diferentes acaba ficando mais clara ainda, pois as novas formatações de relação, espacialidade e temporalidade criam uma complexidade de comportamento e de dados disponíveis que forçam os estudiosos desses espaços a inovarem nos métodos de coleta e análise de dados.
Assim, dentro desta tendência vista, a combinação de ARS e Etnografia se torna um grande aliado para quem pretende entender um pouco mais do que acontece dentro das mídias sociais.