Antes de começarmos o texto, apenas esclarecemos que o título deste artigo é inspirado no título do excelente artigo da pesquisadora Mara ferreira Rodavida, doutora em ciências da comunicação pela USP: ‘Etnografia e reportagem jornalística: aproximação possível para uma metodologia de pesquisa empírica.’ E é, de fato, uma aproximação possível quando pensamos a etnografia como um método de pesquisa que pode ser, em alguns aspectos, utilizada por jornalistas para fazer reportagens mais profundas e densas baseadas em dados empíricos.

Um questionamento sempre muito pertinente que se coloca quando falamos da relação entre etnografia e jornalismo é o fato de uma aparente ambiguidade destas duas disciplinas. E, de fato, este questionamento é válido, pois enquanto o jornalismo trabalha, na maior parte do tempo, com questões do universo macroscópico, trabalhando com questões em grande escala, a etnografia, em seu princípio básico, se preocupa com questões e processos microscópicos de comportamentos e códigos culturais de grupos específicos dentro da sociedade.
Porém, as discussões propondo que começássemos a pensar a aproximação entre a etnografia e o jornalismo não é recente: um dos casos mais famosos foi o estilo jornalístico desenhado por Gabriel Garcia Marquez em meados de 1948. “Gabriel Garcia Marquez adotava o conceito de intérprete dos eventos e defensor de causas sociais. Essa visão, herdada em parte do jornalismo europeu, opõe-se à noção de objetividade do modelo norte-americano, inicialmente adotada como estratégia comercial e, mais tarde, incorporada às normas profissionais e a ideologia de responsabilidade profissional” (CAREY, 1969).
Como nos coloca Heloiza Golbspan Herscovitz, o escritor distancia-se da ideia de objetividade porque não está interessado na sequência lógica da realidade. “Sente-se livre para contar as emoções humanas e o impacto de forças impessoais como a tecnologia ou a crise econômica na vida das pessoas” (HERSCOVITZ, 2004).
Um dos trabalhos mais famosos de Gabriel Garcia Marquez é a série feita sobre o Chocó, uma região isolada na floresta amazônica, situada na Colômbia. Intitulada “O Chocó ignorado pela Colômbia,” escrito por e publicado em 1954 pelo jornal El Espectador, Gabriel Garcia Marquez viajou diversas vezes e conviveu com aquela população, pretendendo entender muito mais do aspectos superficiais – ele queria entender aquele povo, sua cultura, seus códigos.
Seguindo esta linha o pesquisador Raul Hernando Osório Vargas também fez essa discussão recentemente: em sua dissertação de mestrado, mostrou que haviam semelhanças entre o trabalho de campo de um antropólogo e de um jornalista. Em sua dissertação, o autor defende que a coleta das informações devem – ou deveriam – implicar a ida a campo, em se realizar a observação participante e em se conversar com as pessoas que fazem parte daquela história a ser narrada.
Atualmente, esta relação tem sido trazida a tona novamente com a popularização do termo slow journalism. Este termo está dentro do movimento mundial conhecido como slow-movement. A ideia principal deste slow-movement é produzir um bom, justo e limpo produto para a sociedade.
Assim, quando pensamos em slow journalism precisamos entender que é um movimento que se contrapõe à forma como a produção de conteúdo e de informação tem sido feita, principalmente em espaços digitais: análises rasas, sem profundidade no estudo e na coleta dos dados para se escrever a uma reportagem jornalística.
Este formato de se fazer e de se pensar a comunicação e o jornalismo ganha muito espaço em nossa contemporaneidade, pois propõe uma nova forma de pensar e produzir as reportagens jornalísticas.
Cremilda Medina (1996), propõe a comunicação jornalística como uma mediação trialógica: “o comunicador irá atuar com o mundo das ideias, o imaginário coletivo e com os comportamentos culturais (…) para encaminhar a mediação de forma a lidar com a complexidade das situações sociais apresentadas, ultrapassando os reducionismos e colocando em diálogo os protagonistas de suas narrativas e aqueles que fazem parte do público” (ROVIDA, 2015, p. 84)
MEDINA (1996) ainda nos diz que para que isso possa acontecer é essencial que a jornalista ou o jornalista realize uma imersão na realidade nos espaços em que aquelas situações sociais se desenrolam. E esta imersão precisa contemplar uma descrição densa dos fatos e questões, uma observação intensa e entrevistas em profundidade.
Para quem já conhece os princípios básicos da etnografia, percebe a conexão clara que é proposta: a utilização dos princípios básicos da etnografia permite a realização de uma boa reportagem jornalística baseada em princípios e técnicas como a descrição densa, da observação participante e os registros etnográficos da população a ser estudada.
Atualmente, há um vasto campo nas mídias sociais para jornalistas coletarem dados e escreverem suas reportagens e, com técnicas aplicadas da etnografia nas mídias sociais, é possível fazer estes estudos seguindo a linha do slow-journalism. São inúmeras as comunidades online das mais variadas temáticas que podem ser um campo rico à jornalista e ao jornalista que tem interesse em escrever sobre estas temáticas.

Bibliografia
CAREY, James. The communications revolution and the professional communicator. In Paul Halmos (Ed.), The Sociology of Mass Media Communicators. Keele, Great Britain: University of Keele, 1969.
HERSCOVITZ, H. G. Estudos em Jornalismo e Mídia, Vol. I Nº 2 – 2º Semestre de 2004.
MEDINA, Cremilda. Povo & personagem. Canoas: Ulbra, 1996.
Rovida, Mara Ferreira. Etnografia e reportagem jornalística: aproximação possível para uma metodologia de pesquisa empírica. Líbero – São Paulo – v. 18, n. 35, p. 77-88, jan./jun. de 2015.
Spickard, James V. Slow Journalism? Ethnography as a Means of Understanding Religious Social Activism. 2003.
VARGAS, Raul Hernando Osório. A reportagem literária no limiar do século 21: o ato de reportar, os jovens narradores e o projeto São Paulo de Perfil. Dissertação de mestrado apresentada ao PPGCOM da ECA-USP, São Paulo, 1998.