Quando se sai do universo da área acadêmica, principalmente das Ciências Sociais, a Etnografia é uma metodologia de pesquisa muito conhecida na área de Marketing / Publicidade e Propaganda, principalmente relacionada aos estudos do comportamento do consumidor.
Mas não foi sempre assim: se acompanharmos as pesquisas de marketing nesta temática (de práticas e comportamentos do consumidor), perceberemos uma grande mudança nas metodologias aplicadas: se antes, os principais interesses eram dados quantitativos, a partir da década de 1980 visivelmente se vê um crescimento significativo de metodologias qualitativas, com dados mais particularizados, e um decaimento da metodologia quantitativas, com dados agregados.
Se antes o consumo era entendido praticamente como apenas dados de venda, o consumidor surge, a partir destas novas visões de marketing da década de 1980, como um sujeito imerso em diferentes redes culturais e sociais, e o consumo como um processo que começa antes da compra e termina apenas com o descarte final da mercadoria ou do serviço. (Belk, Fisher, Kozinets, 2012).
É neste formato que muito pesquisadores e estudiosos começaram a utilizar a Etnografia como uma das principais metodologias qualitativas destas pesquisas, pois através de um dos seus principais pilares – a Observação – ela permite ver o que o consumidor realmente faz, ao invés de se basear no que ele fala e responde nas pesquisas baseadas em entrevistas. Esta dicotomia ‘ver o que é feito’ x ‘se basear no que o consumidor fala’ foi realmente inovadora para o campo do marketing.
Assim, dessa forma, a Etnografia ficou tão consagrada ao marketing que, a maioria das pessoas que trabalham/estudam com mídias sociais, acreditam que a única aplicação da Etnografia Virtual/Digital é para estudo de usuários e suas relações com marcas presentes nestes espaços.
Atualmente, inclusive, o termo Netnografia é muito famoso e usado como um sinônimo de Etnografia Virtual/Digital em todos os parâmetros de aplicação. Netnografia, porém, é um termo desenvolvido e pensado por Robert Kozinets (1997), um dos principais pensadores atuais de pesquisas online de marketing.
“Netnografia tem uma história bem longa na América do Norte por ter sido usada para a fase de verificação de oportunidade de desenvolvimento de novos produtos, ou a então chamada primeira fase do processo de inovação “stage-gate”. Muitas empresas agora usam os estudos netnográficos de pesquisa para identificar oportunidades existentes nos seus mercados e para preenchê-las. Pelo fato de a Netnografia ser naturalista, discreta e adaptável, ela é ideal para revelar tendências e padrões atuais nesse espaço. “ (Kozinets, entrevista 2014 )
Esta ‘confusão’ faz com que a Etnografia Virtual / Digital sempre seja pensada como uma aplicação voltada apenas ao estudo de marcas e consumo, ou seja, ao mercado.
Porém, apesar desta ser uma das aplicações mais comuns para quem está na área de Midias Sociais, a Etnografia Virtual/Digital vai muito além.
A Etnografia aplicada ao universo digital vai muito além da relação de consumidor x marca. É possível utilizar esta combinação (Etnografia + Digital) para se estudar vários setores sociais. Não podemos esquecer de vista, nunca, que Etnografia é uma metodologia para estudo cultural (comportamentos, códigos, valores etc). Logo, vai muito além de estudo de consumo.
Em uma terminologia sociológica básica, nossa sociedade civil é dividida nestes três setores: Primeiro Setor, Segundo Setor e Terceiro Setor.
- O Primeiro Setor é representado pelo Governo / Estado;
- Segundo Setor é composto pelo Mercado (empresas privadas);
- Terceiro Setor pelas associações sem fins lucrativos.
E, em todos estes setores, a Etnografia Digital/Virtual pode ser aplicada para entendimento comportamental e cultural de público – não apenas ao mercado.
Há, por exemplo, um crescimento muito expressivo de movimentos sociais (Terceiro Setor) que surgem com as novas mídias sociais e, aqueles que tem sua atuação potencializada no espaço público nestas mídias.
Em um exemplo prático, por exemplo, é possível se aplicar a Etnografia em meios onlines para entender o crescimento do movimento feminista nestas redes sociais e de que forma isso impacta na transformação cultural daquele ambiente.
Aliás, é impressionante o quanto os novos movimentos sociais – típicos do séc XX, em que carregam bandeiras feministas, GLBTTs, entre outros – têm se apropriado deste espaço público online para debater as questões culturais vigentes em nossa sociedade. Utilizam estes meios onlines como um contraponto à grande mídia de massa.
Imagine o quanto de coisa há para se estudar!
Assim, em nosso curso de Etnografia aplicado à Mídias Sociais, entendemos os conceitos principais da Etnografia aplicada a todos estes universos de nossa sociedade: primeiro, segundo e terceiro setor.
Bibliografia
Russell Belk, Eileen Fischer, Robert V Kozinets. Qualitative Consumer and Marketing Research, 2012
KOZINETS, Robert. On Netnography: Initial Reflections on Consumer Research Investigations of Cyberculture. In: ALBA, J; HUTCHINSON, W. (ed.). Advances in Consumer Research, Provo, UT: Association for Consumer Research, 1998. _________________ The Field Behind the Screen: Using Netnography for making Research in Online Communities. In: Journal of Marketing Research, 39, 2002.
Kozinets, Robert V. (2002), “The Field Behind the Screen: Using Netnography for Marketing Research in Online Communities,” Journal of Marketing Research, 39 (February), 61-72.
Entrevista: http://www.revistawide.com.br/marketing/robert-kozinets-o-pai-da-netnografia
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