por Bunno Apolonio

O ISA 2017 (Interaction South America) reuniu a comunidade de profissionais, acadêmicos e estudantes dedicados a aplicação do design nos negócios em Florianópolis e entre os perfis presentes nas discussões estavam designers de serviço, de interação/interface, líderes de produtos, pesquisadores voltados para negócios e também para a academia, além de entusiastas de todos os perfis buscando entender sobre a criação de valor através da interação (o tal “interaction design), seja ele aplicado ou não em ambientes digitais.
Ao todo foram mais de 160 palestras curtas, 18 keynotes e 10 workshops durante um final de semana, e como é pretensioso e impossível trazer tudo o que achei interessante do que rolou, resolvi me atentar para a contribuição de um tópico levantado por um dos keynotes em que foi apresentada uma ferramenta útil para dar conta da complexidade exigida ao projetar algo para o ser humano; e para complementar, procuro apontar como as decisões de UX impactam na experiência dos adeptos dos serviços de compartilhamento de carros como o Uber e 99 Taxi, usando como exemplo a usabilidade dos aplicativos e a política de feedbacks empregada por esses players.
O ponto em comum entre o keynote speaker e as reflexões seguintes está na minha curiosidade sobre conceitos e aplicações da chamada economia comportamental para entender os modelos mentais que guiam as nossas decisões e como interagimos com os estímulos que nos cercam – e foi aí que me apeguei, por já ter tido contato com o assunto previamente através do Freakonomics e Think Fast And Slow. O assunto foi levantado por Russel Parish, hoje business designer na IBM e behavior economist enthusiast, citando o economista Richard Thaler, este que foi ganhador do último prêmio Nobel de Economia e é co-autor do best-seller “Nudge Theory” e de “Misbehaving”, um dos pesquisadores mais conhecidos e dedicados a este tema na atualidade.

Interaction South America

A título de contextualização, uma das palavras mais conhecidas em inglês para se referir ao assunto, “nudge”, representa “a small feature in an environment that attracts our attention, and influences the behavior we make“. Ou seja, um estímulo (interação) e uma reação (comportamento) em resposta a este estímulo. Dentro do contexto histórico do avanço das teorias econômicas que explicavam o mundo, as teorias e experimentos baseados na economia comportamental sempre despertaram interesse dentro do estudo de trocas simbólicas, mas acabaram sendo postas “de lado” durantes os anos 50 e 60 por conta da crescente popularização dos conceitos econômicos tradicionais, baseados na concepção de que as pessoas tomam decisões racionais, ponderadas e tem capacidade ilimitada de processar informações, devido a sua fácil assimilação por meio de análises matemáticas e exatas para explicar como as trocas de valor eram geradas. No entanto, nos últimos anos a contribuição de pesquisadores ligados a economia, neurologia, psicologia e demais ciências sociais tem ganhado atenção no mundo dos negócios ou mesmo para aqueles que tem interesse em entender o seu próprio processo mental através de pesquisas empíricas e visões interdisciplinares sobre as nossas decisões.
Para exemplificar com alguns resultados de estudos que Thaler e outros pesquisadores foram aplicados vale lembrar que (i) a primeira ministra britânica teve apoio de pesquisadores e economistas comportamentais para a implementação da política “opt-out” para doação de órgãos, onde presume-se que as pessoas desejam doar partes do corpo a menos que indiquem o contrário, e que gerou o aumento das doações na Inglaterra; que (ii) os estudos também foram seguidos pelo Departamento de Saúde da Inglaterra em sua abordagem para o uso de cigarros eletrônicos e que contribuiu para o aumento da adoção dos “vapers” como forma de diminuir o consumo e efeitos maléficos dos cigarros comuns; (iii) e também a fala do próprio Richard quando questionado sobre a intenção de votos do Brexit, pontuando que “os eleitores britânicos escolheram uma rota economicamente irracional ao considerar as opções colocadas pelas elites e pela mídia convencional”. Os exemplos de aplicação são inúmeros e o intuito aqui não é resumir as pesquisas (até por que existe fontes mais confiáveis para isso), mas sim apresentar as suas contribuições para quem atua no mercado de design, estratégia ou realizando pesquisa relacionadas a interação.
E foi a partir desta investigação sobre a economia comportamental e sua trajetória enquanto designer que Russel fundamentou um projeto paralelo com o objetivo de educar pessoas em torno do conceito de “nudge” aplicado a UX (user experience), o “Nudge Library”. Clica, navega alguns minutos e volta aqui. 🙂

Design is the intent behind the outcome.
There is no such thing, as a neutral design. – Richard Thaler

A citação acima é uma das justificativas para a criação do Nudge Library e abaixo vemos uma de suas aplicações ligada a ansiedade gerada em interações que obrigam o usuário a esperar por uma resposta/novo estímulo.

UX mobile

Como você irá perceber, o projeto dá um passo além dos já conhecidos e úteis guidelines visuais para prototipar interações digitais e visualizar de dados ao lançar mão de alicerces trazidos por contribuições ligados ao estudo do comportamento para embasar a criação de valor. Ao alinhar alguns modelos mentais com aplicações relacionadas a interação, se mostra como uma ferramenta bastante útil em projetos que precisam de maior agilidade e alinhamento entre a equipe para prototipação e testes, já com a definição clara do problema a ser resolvido com base em pesquisa, ou seja, a resposta esperada para o estímulo oferecido.
No mundo perfeito, os estímulos e as interações são sempre benéficas e sustentáveis tanto para quem está prestando um serviço quanto o usuário, mas volta e meia alguém é flagrado roubando no jogo como foi o caso do Linkedin, que teve que pagar $13mi por estimular os usuários e produzirem spam para as suas redes de contato. Ou no caso do Uber, que conta com um time de cientistas de dados e sociais aplicando experimentos que levam os motoristas a trabalharem mais e por mais tempo.

UBER estrategias

Já na última semana, ainda pensando em como perceber “psychological tricks” no serviços que uso frequentemente, me empolguei com o relato da Anna Zavyalova com a pesquisa sobre mobilidade urbana em grandes centros urbanos no mundo e que deu origem ao texto “Grammar of Sharing in the Context of Pooled Mobility”, dai resolvi trazer duas das anotações que faço durante esses papos com motoristas tentando entender os efeitos da popularização dos serviços de car sharing tanto para mim – a ponta final – quanto para eles com o objetivo de continuar a discussão.
E apesar de não ser pago para isso, sou usuário bastante ativo desses serviços desde que me mudei para São Paulo e geralmente eu costumo puxar um papo qualquer tentando entender as trocas de valores existentes e/ou ainda mal aproveitadas por serviços como 99 Taxi e Uber (os que eu mais uso), para testar o “faro pesquiseiro” sem compromisso. E foi conversando com alguns motoristas e comparando os serviços que eu percebi dois pontos que podem estar gerando ruídos e/ou tem potencial de uso mais inteligente dos dados gerados na transação:

1. No Uber, quando o aplicativo “toca”, o motorista não sabe qual é o endereço onde irá resgatar o passageiro. E quando aceita, poderá ter a surpresa de ter que consumir mais gasolina resgatando o passageiro do que cumprindo o trajeto que é indicado enquanto o mesmo está a bordo. Ou seja, ainda que o motorista seja ágil na resposta ao chamado, correrá o risco de levar prejuízo de uma resgates longos para corridas pequenas. Sem contar que a taxa cobrada pelo Uber é de 26% sobre o preço da corrida – maior que o 99 Taxi. Já no 99 Taxi, quando uma chamada é feita, os 3 motoristas mais próximos são acionados e podem respondê-la. Assim economiza gasolina ao não ser indicado para pegar passageiros distantes ou fora de sua rota. Além disso, a taxa cobrada pelo 99 Taxi é de 16% sobre o valor da corrida. Ou seja, essa diferença impacta na geração de valor para o motorista. Inclusive, o “uberista” que me deu essa aula também me influenciou a usar mais o 99 por conta das constantes promoções e eu reativei a conta na hora, ali no carro.
2. Outro ponto é relacionado ao potencial que os ratings ainda tem dentro de um contexto do mercado em que a popularização dos aplicativos de transporte foi acompanhado pela queda da qualidade do serviço e desconfianças por conta de algumas situações (tentativas de estupro a bordo, motoristas que iniciam a corrida antes do usuário entrar no carro, motoristas que não finalizam a corrida, etc). E ao meu ver, diante desse cenário, todos os aplicativos poderiam qualificar a base de motoristas ao potencializar o comprometimento do usuário final com as “notas” da corrida/motorista através de recompensas. Por que? Porque eu e você, usuários, não recebemos nenhum benefício ao avaliar serviço e gerar informações valiosas para os provedores do serviço, mas poderíamos ser recompensados com descontos quanto maior o nosso índice de avaliação de corridas – e portanto, maior fidelidade a plataforma.

E a partir desse contexto me saltam dois questionamentos para continuar a reflexão e a busca:
a) Será que esses serviços estão ligados na influência que os próprios motoristas tem na indicação de outros serviços digitais, inclusive indicando o concorrente como foi no meu caso? Se sabem, o que devem fazer para munir os seus próprios motoristas para reconquistar usuários (levando em consideração que não há fidelidade nessa categoria)?
b) No caso 2, sobre os feedbacks, não seria vantajoso tornar essa retroalimentação de valor com uma troca justa entre todos os agentes que fazem parte o serviço? Se sobrou ingenuidade da minha parte, por favor, me digam a verdade.

Enfim, uma hora ou outra saberemos. Ou se você conhecer alguém “de dentro” que saiba melhor, marca essa pessoa aqui. 🙂
Fiquem com este gráfico desenvolvido pelo John Manoogian, um outro exemplo de como comumente lidamos com as nossas experiências.

mapa cognitivo