Não é necessária uma formação em Publicidade e Propaganda para compreender, hoje em dia, a diferença entre comprar um celular “qualquer” e um iPhone. Embora ambos sejam aparelhos telefones móveis, mesmo que tenham praticamente as mesmas funcionalidades, há diversas camadas simbólicas operando sobre o consumo desses dois produtos. É dentro desse contexto, inclusive, que a publicidade se consolidou e cresceu desenfreadamente nas últimas décadas. Entretanto, o nosso jogo sócio-cultural de atribuição de sentidos às diversas “coisas” ou situações do mundo é bem anterior à disciplina de marketing.
No livro “A Interpretação das Culturas”, Clifford Geertz pontua que “o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu” – ou seja, a cultura, sobre o que ele está falando, é um amaranhado de signos que envolve e foi criado pelos próprios seres humanos. Esse processo de construção e disputa por significados está presente no nosso cotidiano enquanto sociedade, a partir principalmente das interações que estabelecemos uns com os outros. E a partir do momento que, como elucida a socióloga Christine Hine, não mais “entramos” na internet, mas “vivemos” nela, o ciberespaço também torna-se parte desse campo de significações das culturas em que vivemos.
As conversações que se desenvolvem no ambiente online, portanto, são reflexos e refletem nos jogos de atribuição de sentido que damos à vida em sociedade. Uma vez que vivemos na sociedade do consumo, os bens materiais e serviços também fazem parte desse cenário. Como explica a pesquisadora Lívia Barbosa (2003), “produtos e serviços não se encontram boiando em um vaccum cultural”, mas, “ao contrário, encontram-se inseridos em sistemas de objetos e relações, no interior dos quais eles adquirem seus respectivos significados e funções”. Com isso ela quer dizer que uma compra nunca é somente uma compra, mas todo um processo sócio-cultural que se forma muito antes do ato em si e segue até o despejo da mercadoria ou finalização do serviço.
“Qualquer novo elemento que chega ao mercado será inserido em um sistema de consumo, de objetos e de relações. Portanto, terá de dialogar com a gramática sociocultural que atribui significado e função aos bens e serviços e às práticas sociais a que estes estarão submetidos. […] Portanto, conhecer as categorias de um determinado sistema, os elementos que o compõem, a lógica interna que o preside e as práticas de consumo a que está relacionado é meio caminho andado na compreensão do impacto das novas tendências e inovações.” (BARBOSA, 2003)
Para que possamos, portanto, compreender a cultura do consumo (não apenas no contexto macro da sociedade, mas em suas nuances mercadológicas), buscar conhecimentos de técnicas etnográficas com o rigor das Ciências Humanas e Sociais é um trunfo inteligente para quem trabalha com marketing. Fazer uma pesquisa de caráter etnográfico pode ir além de uma visão mais superficial sobre um produto, serviço ou campanha, dando conta de uma visão mais holística sobre essas três vertentes dentro do contexto social do seu público-alvo. Ou seja, significa ir muito além das conversações em rede, mas também – e principalmente – localizar os seus clientes enquanto indivíduos e compreender como a sua marca se encaixa na sua perspectiva de vida dentro de um contexto social.
“Se admitirmos que o consumo é uma atividade coerente com as concepções ideológicas das pessoas, poderemos prevê-lo desde que encontremos o foco do qual emana tal coerência. Assim, os esforços deveriam estar centrados na busca pelas concepções que estruturam a vida das pessoas e em como elas afetam o consumo de diferentes produtos e serviços.” (BARBOSA, 2003)
Referência bibliográfica
BARBOSA, Lívia. Marketing etnográfico: colocando a etnografia em seu devido lugar. Revista de Administração de Empresas, v. 43, n. 3, p. 100-105, 2003.