Há algum tempo, o mercado de monitoramento de mídias sociais experimenta mudanças significativas, algumas delas afetando inclusive diversas empresas do setor digital. O entusiasmo com os dados fornecidos pelas gigantes digitais começou a ruir a partir de 2012 e por volta de 2015 a situação ficou ainda pior com as restrições ou o fechamento total de muitas APIs após escândalos de vazamento de dados, como o da Cambridge Analytica.
Um exemplo notável dessa situação é da Netlytic, ferramenta voltada para a captura e análise de dados de um grande número de mídias sociais que hoje basicamente só funciona com a API do Twitter, que também sofreu mudanças nesse período. Softwares gratuitos como este eram indispensáveis para pequenos negócios que não dispõem de dinheiro para a compra de softwares pagos mais complexos. A restrição das API levou a uma restrição da atividade de monitoramento às grandes empresas e grandes marcas, que possuem acesso a softwares pagos ou contas enterprises para acesso em níveis mais baixos das APIs.
Para Gabriel Ishida, diretor de business intelligence, as alterações no mercado de monitoramento foram feitas a partir de uma transição, sendo a primeira envolvendo reorganização das empresas; a segunda ligada à reestruturação das práticas e premissas para a análise; e a última ligada à adaptação das ferramentas às novas demandas de um mercado em constante mudanças. “O ponto dois, no meu entendimento, foi onde percebi a maior mudança, pois havia muitos profissionais dedicados ao social listening e claramente a redução no volume de dados fez com o que organizações começassem a procurar alternativas além do listening para análise de dados de social media”, comenta.
“Vejo que os profissionais tiveram que estabelecer o novo valor do monitoramento, combinando com novas práticas de análise e criando a demanda para o ponto três [novas ferramentas e tecnologias], pois ferramentas populares acabavam não atendendo às novas necessidades”, complementa. É nesse novo cenário de dados que ferramentas mais robustas ganharam espaço, com alternativas do tipo enterprise que unificam todos os esforços de social – com integrações de dados de analytics, CRM, etc. – num apenas lugar, pontua.

Os desafios enfrentados pelo mercado de monitoramento 

Se analisarmos do ponto de vista tecnológico, percebemos avanços no que diz respeito à capacidade de coletar diferentes tipos de dados. Porém, esta evolução é acompanhada de alguns retrocessos políticos: ao mesmo tempo que uma quantidade cada vez maior de informações é produzida nas redes, um volume cada vez menor deste montante é compartilhado com outros agentes que não os grandes conglomerados. 
Além disso, vale ressaltar que essas mudanças não afetam as empresas e regiões da mesma forma. Em alguns lugares de atuação profissional, como Belém (PA), o monitoramento já não era uma atividade muito presente, tanto pela falta de incentivos do setor quanto pela dificuldade em encontrar profissionais especializados. Para José Calazans, especialista em social listening e análise de métricas de mídias sociais e atual editor do blog PensePlay, o amadurecimento de alguns mercados foi tímido: “Havia muita esperança que essa atividade crescesse por aqui, porque ainda é um mercado a ser explorado e as pesquisas de Raio X da nossa área mostravam algum crescimento ano a ano, mas não tivemos a aproximação de ferramentas para a formação da mão de obra e fomento do mercado”. 
Calazans acrescenta que as alterações nas políticas de acesso das empresas atrasou ainda mais a inserção de algumas empresas e negócios na área, sobretudo pequenos empreendimentos: “esse tipo de trabalho [de monitoramento] se restringiu a grande marcas e isso afastou o gestor de mídias sociais, aquele profissional que está num mercado menor, com verbas enxutas porque ele sente a sensação que este trabalho está longe da realidade do seu negócio”, comenta. Para ele, houve uma evolução em algumas áreas, como o de fornecimento de insights para a produção de peças criativas, porém outros setores não tiveram tanta atenção, o que afastou profissionais e impossibilitou a popularização da área de monitoramento. 
A partir de uma perspectiva mais otimista, o publicitário e gerente de estratégias de dados e insights Wesley Muniz acredita que ainda existe espaço para o crescimento da área se considerarmos as possibilidades do monitoramento servir como ferramenta, e não como resposta para tudo o que envolve pensamento estratégico sobre o consumidor nas empresas e agências. “Costumo falar que um dos maiores erros é achar que o mercado é a nossa bolha, o mercado é o mercado, e inclui pessoas e profissionais que não fazem ideia do que o monitoramento é e como ele pode ajudar em seus negócios ou em suas pesquisas”, comenta.
Ratificando essa questão do monitoramento como ferramenta única de pesquisa, chama a atenção para como isso era “algo muito defendido em anos anteriores justamente pelo fetichismo com a possibilidade de trabalhar um grande volume de dados”. Em consonância, Calazans aponta que a incorporação do monitoramento em outras áreas, como gestão de comunidades, onde a absorção de profissionais com esses conhecimentos foi bem recebida, inclusive sendo algo muito presente nos anúncios de vagas. “Percebo isso nas vagas no Linkedin que pedem o conhecimento de monitoramento para entender comportamentos a fim de trazer isso em forma de conteúdo e interação com os consumidores”, acrescenta o publicitário. 

Mais amadurecimento e visão integrada

O monitoramento enquanto atividade articulada e integrada a outras áreas pode ser vista como uma tendência no mercado, inclusive em tarefas que pouco tinham contato com análises de dados. Para Gabriel Ishida, pensar áreas como social listening e SAC de forma separada já não faz sentido no mercado, amadurecido com a ideia de integração com social analytics. “Na minha experiência no dia a dia, vejo que o social listening ‘sozinho’ acaba não tendo grande destaque sem a combinação com outras métricas como engajamento e até SAC. Creio que isso tem muito a ver com os dados que são disponibilizados e a maturidade dos clientes em relação aos dados de social media, onde entende-se que não temos uma visão geral de social só com listening”, sinaliza.
Assim, antes do “mar aberto” que o mercado de monitoramento se encontrava, o foco da atuação dos profissionais passa pela busca de uma compreensão sobre grupos e públicos diversos e clusterizados. Esse movimento acompanha as mudanças na forma de ver os consumidores, não apenas enquanto massas, mas como pertencentes a comunidades específicas, como mostra Ishida: “Atualmente enxergo que o foco é ‘o que determinados usuários estão falando?’, ou seja, monitoramento dos que chamamos de Key Opinion Leaders (ou formadores de opinião) pois a coleta de comentários e postagens de perfis foi o que menos sofreu alterações durante os últimos anos”. 
As ferramentas utilizadas para este trabalho também fizeram mudanças nesse sentido, o que indica uma forte inclinação do setor para uma atividade mais articulada com diversas bases de dados e métricas: “As ferramentas tiveram que investir no processamento pós-coleta, entregando informações que agilizam as análises, como classificação automática por NLP e identificação de influenciadores no monitoramento, e também na aplicação de metodologias que são mais utilizadas no meio acadêmico, como a própria Análise de Redes, para usos em organizações e, principalmente, fins políticos”, salienta.

Novas oportunidades para seguirmos avançando

As transformações presenciadas pelo mercado de monitoramento, ainda que apontem para consequências desafiadoras para alguns setores, sobretudo para pequenas empresas, também abrem novas oportunidades para os profissionais da área e também empresas. A integração entre ferramentas, métodos e análises mostrou-se um caminho possível para fazer do monitoramento uma área ainda necessária e importante para os negócios.  Wesley Muniz salienta que as restrições de acesso aos dados das grandes plataformas não devem ser encaradas como o fim do mundo: “O fechamento das APIs inclusive nos ajudou a perceber que não apenas é necessário, mas importante cruzar os dados de monitoramento de redes sociais com outros métodos de pesquisa, e isso precisará ser cada vez mais compreendido justamente na medida que as pessoas estão cada vez mais se preocupando com a privacidade”.
Sobre a questão da privacidade, Muniz menciona que isso é também uma pauta que deve ser levada em conta, especialmente após a aprovação da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) no país, que pode fortalecer uma demanda já em alta de busca por profissionais capacitados para lidar com essas questões. “Com a LGPD ficando cada vez mais real no nosso cotidiano, mesmo não sendo compreendida por todos, precisaremos ter maior responsabilidade não apenas do ponto de vista legal, mas também em relação em como os dados serão tratados e expostos de forma a garantir consentimento de uso dos dados,  e maior integração de ferramentas de CRM para garantir exclusão de dados se solicitado”, finaliza Muniz.
Sobre o uso do monitoramento em empresas menores ou outras atividades para além do mercado, Muniz é otimista quanto ao assunto e afirma que existe possibilidades reais disso crescer, apesar do baixo investimento: “Vejo um crescimento grande também no uso do monitoramento para o jornalismo e principalmente para acadêmicos. Antes o monitoramento era para grandes empresas também, hoje em dia eu já inclusive dou consultoria para pequenos negócios, que utilizam para entender consumidor local”. Nesse sentido, vê uma maior “aceitação” da importância do monitoramento como ferramenta de insights e pesquisa multiforme: “Quando comecei a monitorar há uns 10 anos o monitoramento tinha um peso enorme na análise de sentimento, que geralmente era o maior foco das empresas”.
Com o avanço e amadurecimento do mercado, apesar de todos os tropeços, ele pontua que, se análise de sentimento e SAC 2.0 (um termo que não lhe agrada) era o que mandava e comandava o mercado de monitoramento há alguns anos, ele percebe como as empresas passarama  explorar outros potenciais do monitoramento: “benchmarking, análise de redes, análise de influência, netnografia, e outras competências que podem enriquecer as estratégias para as marcas”, acrescenta. O cenário, portanto, é de encontrar meios complementares e até multidisciplinares para continuarmos usufruindo dos dados de conversações nas mídias sociais.