A chegada do coronavírus ao Brasil no início de 2020 e a consolidação do estado pandêmico em todo o país, além de levar ao fechamento de muitos espaços físicos e à necessidade de confinamento e distanciamento social, transformou também muitos hábitos e rituais de higiene e cuidados domésticos por parte dos brasileiros, inclusive no que se refere aos objetos e materiais dos quais temos contato no dia a dia. Além do uso obrigatório de máscaras, outras medidas que pouco ou nada levávamos em conta passaram a fazer parte da nossa rotina como forma de evitar ou reduzir o contágio.

Várias pesquisas já foram e continuam sendo realizadas – tanto no mercado quanto na academia – na tentativa de entender quais são/foram as mudanças provocadas pelo impacto da pandemia a partir de diferentes fontes e com o exercício de diversas abordagens metodológicas. Através das mídias sociais, esses relatos podem ser explorados não necessariamente de maneira absoluta, mas com o intuito de possivelmente oferecer alguns insumos interessantes para o desenvolvimento de abordagens mais robustas.

Um “experimento” social espontâneo pode surgir, por exemplo, a partir do estímulo à conversa de uma única fonte, que pode ter sua mensagem propagada para um vasto número de pessoas que se sentiram motivadas a responder a este questionamento. Foi o que aconteceu com um tweet do criador de conteúdo Raphael Vicente, em que solicitava (aos seus seguidores e demais usuários do Twitter interessados em participar) para fornecerem relatos sobre mudanças de hábitos: “cite uma coisa que vc n achava um absurdo mas começou a achar dps da pandemia”.

Coletamos ao todo mais de 1.340 respostas do tweet na manhã do dia 31 de março de 2021 para analisar qual é o “novo normal” relatado pelas pessoas. Utilizamos as ferramentas WORDij para analisar os dados e observar quais as principais palavras utilizadas pelos usuários para formar os campos semânticos em relação ao assunto. Após o processamento, identificamos muitos clusters de palavras. Ainda que muitos deles sejam mais evidentes, podemos perceber que não existe um cluster considerado central, pois os relatos são diversos e compõem um universo de significados multifacetado.

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Ao todo, a rede processada no software possui em seu conjunto de 599 palavras e 2.074 arestas de ligação. Foram organizados 6 clusters principais que apontam para diferentes hábitos de cuidados durante a pandemia. Na imagem acima podemos observar a distribuição deles a partir das cores. Apesar da grande quantidade de grupos, devemos levar em conta que nenhum dos clusters está apartado dos outros, ou seja, os clusters fazem conexões mesmo distantes, indicando uma relação de interdependência (algo próprio de uma rede semântica) entre os relatos, como veremos a seguir.

Novos hábitos, novos normais

Um dos cuidados mencionados refere-se ao compartilhamento de objetos em ambientes de socialização, como festas e bares. A divisão de utensílios como garrafas e copos era uma prática comum antes da pandemia e que agora é vista com grande receio, uma vez que favorecem a transmissão de vírus e bactérias. Basicamente, tudo que envolva contato direto com a “boca” tende hoje a ser considerado no mínimo perigoso, inclusive beijos.

O ambiente da casa também é considerado pelos respondentes. Práticas como chegar da rua ou entrar em casa foram associados à exigência de fazer a limpeza dos sapatos e tomar banho. Além disso, coisas que fazíamos antes, como sentar ou deitar na cama ou no sofá são entendidas como pouco higiênicas. A limpeza de compras de supermercado antes de guardar também foi considerada.

O cluster em azul diz respeito ao uso de máscaras, obrigatório em todos os lugares em que transitamos. Por ser um item indispensável nesse período, possui um maior número de menções. Porém, o uso da proteção também é considerado após a pandemia, especialmente quando alguém está gripado ou doente, o que evitaria a disseminação de vírus para outras pessoas, algo que está presente em alguns países como o Japão há algum tempo. Além disso, o uso de máscaras por parte de pessoas envolvidas na produção e manipulação de alimentos, especialmente em restaurantes e buffet. 

Na parte da comida, hábitos como soprar vela do bolo de aniversário, comer dentro do transporte público ou mesmo falar próximo à comida compreendidas hoje como práticas que devem ser evitadas no futuro. O cluster sobre esse assunto, identificado na rede pela cor laranja, é um dos que mais atravessa os demais, o que indica uma forte relação com outros assuntos levantados pelos respondentes do tweet. 

De forma geral, o relacionamento e a interação entre as pessoas, evidente no cluster roxo, se refere à convivência geral com as pessoas. Práticas como cumprimentar com beijos no rosto são encaradas com mais resistência de hoje em diante. Outras práticas que foram mencionadas são as de higiene pessoal, como lavar ou passar álcool gel nas mãos quando temos o contato com objetos de ambientes públicos, como corrimãos, que podem favorecer a transmissão por superfícies. 

Decidimos analisar todas as respostas diretas ao tweet de Vicente com o intuito de observar quais são os principais significados que as pessoas atribuem a esse tema ao relatarem sobre as mudanças que colocaram em prática. Evidentemente, não se trata de nenhuma pesquisa aprofundada sobre o assunto com finalidade representativa geral. Essa análise tem o intuito de observar como podemos obter insights relevantes de conversações pequenas nas redes sociais e, a partir disso, elaborar percursos exploratórios em projetos de pesquisa que lidam, por exemplo, com estudos de caso.