Quando pensamos no mercado de monitoramento, devemos levar em conta que o que não mudou foi a essência do monitoramento, o cerne do sentido do monitoramento: a necessidade do interesse do ser humano. Há algum tempo acompanhamos algumas transformações, como:

  1. A evolução e a consolidação do formato das redes sociais como canal de origem de dados para análise, o que forçou também uma mudança de comportamento do próprio usuário – que migra sempre que novas redes surgem, ou que evolui sempre que novas funcionalidades das redes anteriores aparecem;
  2. As mudanças da legislação de direitos de privacidade e um aprofundamento das discussões sobre as delimitações éticas da vigilância social; 
  3. A evolução das ferramentas de monitoramento (que precisaram adaptar seu funcionamento com o aumento exponencial da quantidade de dados gerados pelos nativos digitais, pela legislação, pelas constantes mudanças e evoluções das APIS das redes sociais);
  4. A evolução da formação e da experiência dos analistas, que chegam agora com  uma importante maturidade em relação ao entendimento do cenário de dados digitais e das técnicas para entrega de relatórios. Mas, eles que se encontram em meio ao desafio de evolução do próprio mercado, que ainda utiliza diferentes nomes para o mesmo cargo, ou que exige conhecimentos em monitoramento em confusão a outros cargos já tradicionais e consolidados. Não há, ainda, um consenso, dentro do mercado, da atuação e das entregas feitas pelos analistas, e isso deve-se também ao fato de que os próprios clientes em suas gestões internas, agora, estão compreendendo melhor tanto o poder dos dados deixados por seus clientes na internet, quanto o potencial mercado consumidor por meio de acompanhamento de dados deixados nos canais digitais. Nesse sentido, os analistas precisam ao mesmo tempo evoluir sua técnica e seu aprendizado em diferentes áreas do conhecimento (programação e mídia, por exemplo), mas depender de uma organização do mercado para que se alinhem às expectativas de atuação do seu cargo.

 
Na operação, uma das coisas que mais me chama atenção é a mudança nas exigências das entregas e das perguntas feitas pelos clientes. Ainda que persistam as métricas de vaidade, as mudanças e evoluções nas redes sociais não sustentam mais a ideia de alcance orgânico, o que força uma mudança de paradigma nas perguntas a serem respondidas pelo monitoramento. Não adianta apenas colocar mais dinheiro em campanhas se os retornos em monitoramento não se concretizam nem na aderência da mensagem, nem na criação de leads e vendas. Quer dizer, apenas o número de visualizações e de impressões da mensagem, ainda que alto, não responde bem ao entendimento do comportamento social, nem auxilia de forma concreta no auxílio de tomadas de decisões estratégicas importantes.

Amadurecimento do mercado e incertezas

Apesar da busca por entender o setor, eu ainda vejo o mercado muito perdido no que diz respeito às delimitações das entregas e demandas, em saber o que exigir do seu analista, em que nome dar ao cargo, e em como a área pode ser, de fato, um braço importante em setores internos de funcionamento de uma agência de publicidade, por exemplo.
Um monitoramento bem feito de uma marca ajuda na estratégia de construção de conteúdos proprietários condizentes com sua comunidade, no planejamento de campanhas alinhadas aos perfis dos seus consumidores/leitores/participantes, no auxílio de atendimento ao cliente com levantamentos de demandas e desafios, na escuta de oportunidades públicas para engajamento e exposição da marca. Quando trabalhei com o monitoramento de redes proprietárias da Petrobras, por exemplo, conseguimos alinhar a saúde dos comentários e a aderência das mensagens recebidas pela comunidade ao ajuste das sugestões de conteúdos das semanas seguintes. Em uma análise anual, foi possível entender melhor as dinâmicas de comportamento por períodos e em situações importantes para a instituição, e, assim, realizar um planejamento estruturado em dados para o ano seguinte. 
Em outra situação, ao realizar monitoramento social público (social listening) para a Cozinhas Itatiaia, patrocinadora do BBB (Big Brother Brasil), foi possível levantar assuntos de interesse da marca e, assim, acompanhar as conversas sobre esses temas durante a realização do programa, aproveitando demandas espontâneas das pessoas e participando de conversas de oportunidade. No final, o que se conseguiu notar foi, além do aumento da exposição da marca e do seu alcance, um aumento também na quantidade de menções positivas sobre a marca no decorrer do programa, além de um direcionamento interno para as campanhas de mídia que faziam a divulgação dos produtos que apareciam dentro do BBB.
O monitoramento, então, é uma área fundamental, mas não apenas para uma atuação externa, mas como ponto de apoio para as áreas internas de uma empresa. Depois que comecei a atuar na área do monitoramento, em 2014, tenho visto uma evolução na aplicação dos dados de monitoramento, mas ainda um desafio na aplicação dessas informações para além da simples relatoria. Entender e acompanhar o que sua audiência quer, deseja, se interessa, reclama, aproveita e exige são pontos fundamentais para a sustentabilidade dos negócios, e eu ainda vejo este entendimento sendo um desafio para as empresas. 

Quem entender melhor e mais rapidamente os pontos de contato entre a área de monitoramento e os negócios e mercados vai sair à frente na ocupação das memórias dos indivíduos. E é claro que este é apenas um setor mais prático do mercado de comunicação em que o monitoramento se torna útil para as vendas, para a compra, para os produtos e serviços. No entanto, quem também entender que as perguntas mais amplas, de tendências de comportamento sociais e de entendimento de problemas cotidianos, são importantes pesquisas a serem realizadas para a sobrevivência a médio e longo prazo de qualquer atuação e/ou negócio também vai sair à frente dos seus concorrentes. E, aqui, digo de modo amplo o que significa essa atuação e/ou negócio: seja em um setor de venda de produtos de cabelo via internet (e-commerce), seja no entendimento da concorrência entre políticos em uma eleição (aliado a pesquisas tradicionais), seja na adaptação de campanhas de governo (como suporte a pesquisas de políticas públicas), seja como um pequeno empreendedor, ou autônomo (da arquitetura, apenas para dar um exemplo de aplicação), monitorar o que se fala, sente, interpreta, quem fala, e quando falam do seu setor de interesse auxilia nas tomadas de decisão, na sua sustentabilidade e no seu posicionamento.

Novas tecnologia e outros modos de pensar o monitoramento 

No que se refere aos avanços tecnológicos, as ferramentas evoluíram bastante em relação à quantidade de alternativas (concorrência) apresentadas pelo mercado, e em funcionalidades, mas ainda assim é difícil que as ferramentas acompanhem as evoluções das funcionalidades das redes sociais na mesma velocidade em que elas surgem e se transformam. A preocupação com a forma como o nosso comportamento linguístico (PT-BR) acontece é, para mim, também, um desafio e uma necessidade de preocupação para aprimoramento tecnológico. Além disso, a tendência de crescimento das fontes de informação em áudio, por exemplo, apresenta nova fronteira para acompanhamento e monitoramento, e eu ainda não conheci ferramentas que tratem dessa fonte de dados de maneira apropriada, ou com possibilidade de cruzamentos eficazes com outras fontes.
Em relação aos avanços metodológicos para compreensão social, hoje é possível vislumbrar novas aplicações do monitoramento, por exemplo, dentro dos problemas e questões levantadas em pesquisas de universidades. Isso aproxima uma demanda mercadológica a soluções inovadoras dentro da academia. Por outro lado, as pesquisas advindas das preocupações acadêmicas e da ciência também têm apresentado questões instigantes para a evolução do monitoramento. Pesquisas sobre boatos, fake news, desinformação, agnotologia, e também sobre futebol, vacinação e aborto (alguns exemplos de pesquisas do meu conhecimento dentro do PPCOM/UFMG) apresentam perguntas que a programação, a raspagem, a mineração e o monitoramento de dados chegam para solucionar e apresentar métodos diferentes da pesquisa tradicional, adicionando complexidade e novas descobertas. O desafio de aproximar as duas áreas ainda é grande, mas encontramos alternativas e buscas de aproximação nos dois setores, com esforço do mercado e curiosidade acadêmica.

O desencanto com o fetiche dos dados e a questão da privacidade

Quando falamos das mudanças de paradigmas no acesso aos dados das redes, eu vejo um problema de temporalidades: quando a tecnologia avançou de forma mais acelerada que a nossa compreensão, imaginamos utópicamente que “com mais dados, entenderíamos tudo ao nosso redor”. Isso sem nem termos compreendido o que estava acontecendo com as máquinas/APIS/automatizações; nem termos compreendido as questões de privacidade que a exposição e as conversas na internet implicam dentro e, especialmente, fora da internet. Apenas para citar algumas consequências externas à internet, temos os linchamentos morais e físicos, as mortes, as demissões, os assédios; mas também as denúncias de problemas e crimes, as contratações, os encontros românticos que geraram casamento. Hoje, ainda precisamos superar esses desafios que sugerem que apenas com uma quantidade maior de dados teremos todas as respostas e soluções. 
Nesse sentido, o mercado não se adaptou bem ainda. Agora é que os negócios começaram a entender a demanda e a importância dos dados e do monitoramento. Então, as exigências feitas ainda estão alinhadas ao que o sonho do big data vendeu. Resta a quem faz a operação desses dados (atuais analistas, gestores, coordenadores, professores do setor e ferramentas em atuação) ajustar as expectativas dos clientes e informar que é necessário, além de dados, pensamento lógico, formação crítica e capacidade de aproximar diferentes fontes de dados na construção de informação e inteligência estratégica. Em especial as ferramentas que se vendem como suporte na aglutinação desses dados, têm um grande desafio de apresentar soluções adequadas e éticas ao mercado. Aos analistas, gestores e donos de empresas, cabe o desafio de acompanhar as diversas e rápidas mudanças do setor, e ter um perfil de pedagogia com os clientes que (1) acreditaram que os dados resolvem tudo e (2) ainda não entenderam bem o que podem demandar.
 
Enquanto a temporalidade da conversação imediata da internet trouxe o imediatismo da opinião e o aumento na quantidade de dados, as outras áreas de organização da sociedade atuam com diferentes temporalidades. No caso da legislação de privacidade, para que ela possa acontecer, é preciso passar por processos de discussão em esferas políticas, em instituições e votações em parlamentos, e esse caminho tem sua própria lógica e tempo de ação. Outro setor importante que tem temporalidade diversa ao do grande boom do imediatismo das redes e da produção de grandes bases de dados é a formação de quem atua e atuará no setor: embora cursos possam variar na quantidade de horas e dias, há uma formação mais formal-acadêmica que leva em média quatro anos para ser realizada, além do período de mais meia década para maturidade profissional quando se trata de atuação na área e consolidação de experiências relevantes. Ou seja, mesmo que cotidianamente tenhamos gerado bilhões de conversas na internet, haverá um delay entre a produção dos dados e aqueles que irão interpretá-los.