No texto passado conversamos um pouco sobre as grandes transformações que estamos vivendo em relação à comunicação humana. Como falado, isso tem gerado uma transformação tão rápida e profunda que diversos pesquisadores têm se dedicado a estudar estas mudanças. Aproveitamos também para apresentar dois grandes pensadores desta temática: Pierre Levy – filósofo francês da cultura virtual contemporânea – e Manuel Castells – sociólogo espanhol que contribui muito com o pensar desta nova sociedade em rede; dois grandes escritores que devem ser estudados por quem tem interesse de se aprofundar neste tema.
Como defendido por estes dois grandes pensadores, e por qualquer outro que estude esta temática, é consenso de que as transformações sociais são tão profundas que temos uma evolução cultural típica desta Nova Era da informação.
(Leia-se aqui evolução no conceito biológico do termo: Evolução, biologicamente falando, é o processo através do qual ocorrem as mudanças ou transformações nos seres vivos ao longo do tempo, dando origem a espécies novas. Ou seja, não há nesta palavra qualquer julgamento de valor de melhor ou pior: é uma palavra que simplesmente coloca que houveram transformações e mudanças ocorridas ao longo do tempo, mudando o objeto em si – no nosso caso, a cultura).
Surge hoje uma nova forma de comunicação: a Comunicação/Conversação Mediada pelo Computador (CMC). E, com ela, todos os espaços virtuais de troca e interação através da internet, como redes sociais onlines, fóruns, chats, entre outros. Novas relações, novos gêneros (e-gêneros), nova textualidade, novos comportamentos.
Assim, com toda evolução cultural em foco, nada mais natural de que a Etnografia esteja em alta – como já falado em outros textos, Etnografia é uma metodologia das ciências sociais utilizada para o estudo da cultura de grupos sociais.
E, ainda mais interesse do que aquele demonstrado em Etnografia, é o interesse em Etnografia aplicada em mídias sociais. Neste espaço virtual são, praticamente, infinitos o volume de informação e dados presentes que podem ser analisados – muito mais do que quando se faz uma pesquisa no universo off-line, por exemplo.
E infinitas também são as perguntas e curiosidades acerca da Etnografia aplicada em Mídias Sociais.
Assim, o objetivo deste texto é debater sobre uma das perguntas mais recorrentes que acontecem: É possível estudar qualquer grupo online com este método?
E a resposta é simples: não.
Não podemos perder de vista, nunca, que etnografia é um método da antropologia aplicado ao estudo da cultura de grupos sociais (sejam eles ‘online’ ou ‘offline’).
Dessa forma, a pesquisa etnográfica apresenta e traduz a prática da observação, da descrição e da análise das dinâmicas interativas e comunicativas como uma das mais relevantes técnicas.
E, para isso, temos dois grandes limitantes quando queremos fazer etnografia em ambientes onlines:
Limitante 1 – O grupo social de interesse a ser estudado precisar estar dentro das redes sociais e ser minimamente ativo;
Limitante 2 – Precisa-se que as condições de atividade online deste grupo deem dados de comportamento para a minha coleta.
Percebe-se que, a partir destes limitantes, não é apenas o grupo social que eu tenho interesse de estudar estar nas redes sociais para conseguir fazer uma pesquisa etnográfica: é preciso também que este público tenha tipos de interações e relações que me exponham dados de comportamento que eu possa coletar.
O que se quer dizer com isso?
Quer se dizer que: analisar apenas conteúdos que os usuários curtem e/ou compartilham de uma determinada Fanpage, por exemplo, não é fazer uma pesquisa etnográfica. É extremamente válido (e útil) fazer isso, por exemplo, quando se quer clusterizar grupos de pessoas que curtem determinadas marcas – mas isso não é pesquisa etnográfica.
Mais uma vez: não é porque a análise está saindo do âmbito quantitativo e entrando no âmbito do qualitativo que se está fazendo etnografia. Etnografia é apenas uma das inúmeras metodologias qualitativas de coleta e análise de dados.
Ou seja, se o grupo social que eu tenho interesse em analisar apenas interage de forma passiva com minha FanPage ou em um determinado grupo / fórum, por exemplo, não há dados comportamentais para se coletar.
E é neste momento que entra o que estamos chamando de Limitante2: o pesquisador, digamos assim, precisa ter certeza de que irá conseguir coletar opiniões, interações, troca de conteúdo, entre outros.
Se estes dois limitantes são superados, a chance de se conseguir realizar uma pesquisa etnográfica em mídias sociais é certeira.
Vamos a um exemplo prático:
Imaginemos que, por algum motivo, se faz necessário entender o comportamento de Idosos dentro do Facebook: seja por uma marca que tenha idosos como público-alvo; seja para suporte de alguma política pública voltada a este público.
A primeira coisa que precisamos pensar é: este público está presente e minimamente ativo no Facebook (limitante 1)?
Quando consultamos a ferramenta Audience Insights do Facebook (facebook.com/ads/audience_insights.), vemos que, no Brasil, há uma média de 3,5 milhões de pessoas ativas com mais de 60 anos nesta mídia social (15% do total da população idosa do Brasil).[1]
Assim, sabemos que Idosos estão dentro do Facebook em uma representatividade que nos surpreende.
Segundo passo: saber se esta população é ativa dentro do Facebook.
Ainda consultando o Audience Insights, percebe-se que este grupo é pouco ativo, porém ainda apresenta alguma atividade mínima em comentários e publicações curtidas.
Ou seja, apesar de ser um público presente, aparentemente é um grupo com pouca atividade nesta rede.
Porém, como estes dados são apenas de interações com Fanpages (e já falamos que este é um tipo de dado que não nos é interessante), ainda é necessário vermos se há algum grupo dentro do Facebook que tenha atividade de relação entre estas pessoas.
Em uma pesquisa rápida, o search do facebook nos mostra 2 grupos fechados com a temática Terceira Idade: o primeiro que se chama de fato ‘Terceira Idade’, com 18.858 membros e o segundo, chamado ‘Terceira Idade em São Paulo’, com 1.526 membros.
Escolhido o primeiro grupo, pela questão do volume de pessoas, é necessário ser feito uma análise de quais são as interações que ocorrem lá.
Precisa-se, antes de tudo, mapear se há diálogos, debates, trocas entre estas pessoas. Adianta-se aqui que, infelizmente, neste grupo não há conversar, impedindo-nos de realizar uma pesquisa etnográfica neste meio. Há apenas postagens com curtidas e alguns comentários como ‘lindo’, ‘amei’, ‘lindas palavras’ (vocês sabem do que estamos falando 😉 )
Ou seja, pelo nosso caminho todo seguido, entende-se que não é possível realizar uma pesquisa etnográfica com idosos no Facebook.
O que se pode fazer – e o que aprendemos em nosso curso Etnografia em Mídias Sociais – é que se é possível utilizar algumas técnicas etnográficas de coleta de dados para alguns estudos. Mas é preciso ter claro que não é uma etnografia.
Porém, quando mudamos nosso público de Idosos para Mães de Recém-Nascidos, percebemos que o cenário muda completamente. Da mesma forma feita para Idosos, se você procurar por grupos de mães no Facebook, achará muitos – e, principalmente, com interações, conversas, trocas de experiências.
Neste novo contexto, é possível realmente perceber e estudar a rede que se forma de apoio, confidencialidade e ajuda entre estas mães nestes espaços. Ou seja, há dados comportamentais para se coletar e analisar.
Em resumo, o que queremos dizer com este texto é que, da mesma forma que uma pesquisa etnográfica não pode ser feita em qualquer lugar e com qualquer grupo, a pesquisa etnográfica aplicada em mídias sociais precisa também seguir um padrão para garantir a qualidade da coleta e das análises. Tendo meu interesse de estudo definido e meu grupo de interesse definido, preciso 1 – saber em quais locais online (principalmente redes sociais digitais) eu consigo encontrar este grupo e 2 – mapear e estudar o local exato de coleta para saber quais dados estarão disponíveis para análise.
Se o conjunto grupo social a ser estudado mais local em que estudarei este grupo não for bem casado, não é possível realizar uma pesquisa etnográfica. Ou seja, a pergunta “Quais tipos de grupos eu posso aplicar etnografia para estudar” só pode ser respondida com a análise de presença e atividade deste grupo dentro da rede social conjuntamente com o espaço de relação e trocas interpessoais.
[1] Segundo o IBGE há 23 milhões de Idosos no Brasil (com mais de 60 anos).