Muito se fala sobre a importância da análise de textos das mídias sociais. A análise da produção, dos enunciados e dos materiais que circulam nesses ambientes pode ganhar diferentes abordagens em termos metodológicos, sendo possível falar em ao menos três delas: Análise de Conteúdo, Análise do Discurso e Técnicas de Análise de Textos. Apesar de todas elas lidarem propriamente com a prática de desmiuçar os textos para buscar os sentidos, cada uma parte de perspectivas teóricas distintas que, vez ou outra, podem trabalhar de modo conjunto em nossas pesquisas e investigações.
Nosso intuito com este post é te ajudar a entender os princípios básicos de cada uma das análises e observar as diferenças fundamentais que existem entre elas. É importante considerar que não é nosso objetivo (nem teríamos espaço) para aprofundar em teorias e escolas de pensamento que envolvem as diferentes análises. Porém, vamos trazer alguns autores e falar em linhas gerais sobre cada uma das análises.
Além disso, mostraremos também como as Técnicas de Análise de Textos, em vez de utilizadas individualmente, podem ser aplicadas como um complemento para os dois métodos científicos mais consolidados nas humanidades: a Análise do Discurso e a Análise de Conteúdo. Nossa postura de enxergar possibilidades de misturas entre métodos acompanha muitas das reflexões dos estudos de comunicação, cultura e redes sociais. A professora e pesquisadora Raquel Recuero, por exemplo, no capítulo “Estudando discursos em mídia social: uma proposta metodológica”, publicado no livro Estudando cultura e comunicação com mídias sociais (Editora IBPAD, 2018), parte desta perspectiva para pensar os discursos: além de analisar quais conceitos estão presentes nos textos, Recuero também busca perceber quais as relações (ou melhor, as conexões) entre os textos: além de encontrar os sentidos, é preciso identificar e analisar a estrutura dos conceitos utilizados nas ‘falas’ dos atores sociais. Seguir este caminho é produtivo porque nos pode dar sugestões sobre as construções discursivas que estão associadas a algum tópico na mídia social.
Análise de Conteúdo, Análise do Discurso e Técnicas de Análise de Textos: afinal, do que se trata cada uma?
O QUE É ANÁLISE DE CONTEÚDO (AC)
Podemos dizer que o foco da Análise de Conteúdo (AC) está nas inferências do texto, ou seja, aquilo que podemos obter ao analisar as entrelinhas. Na operacionalização, a Análise de Conteúdo busca se utilizar de categorias de sentido presentes nas mensagens. Para além da leitura flutuante que todos nós fazemos de um texto, este tipo de análise tem o intuito de buscar os significados menos óbvios do texto, que requerem um olhar mais demorado e cauteloso sobre o material. Para que isso seja possível, é necessário que o material selecionado tenha algum grau de homogeneidade, ou seja, tenha características em comum que possam indicar regularidade. É o que geralmente denominamos de corpus de análise.
Vamos para um um exemplo prático: uma pesquisa que tem como objetivo analisar os principais campos semânticos mobilizados pela imprensa na cobertura da violência urbana em alguma capital. Nesta pesquisa, é interessante que a(o) pesquisadora ou pesquisador escolha um gênero textual específico, como notícia, matéria jornalística especial ou editoriais, para realizar a análise. O que queremos destacar é que não é possível fazer inferências, muito menos uma análise precisa, com um material definido aleatoriamente.
Vale destacar que a Análise de Conteúdo não se trata de um método apenas qualitativo, mas também quantitativo. Nela é possível observar a ocorrência de termos, categorias e unidades do texto em sentido numérico, além da frequência e regularidade dos termos. O sucesso da Análise de Conteúdo se deve muito às possibilidades de misturar perspectivas quali e quanti. Além disso, também tem a ver com a sua capacidade de abarcar uma grande variedade de textos: entrevistas, textos de mídias sociais, matérias de jornais, roteiros, capítulos de livros, entre outros.
Como começar a fazer Análise de Conteúdo?
No livro Métodos de pesquisa em comunicação: projetos, ideias, práticas (Vozes, 2018), Luís Mauro Sá Martino indica que para realizar a Análise de Conteúdo, temos de levar em conta os seguinte princípios:
1. Número de mensagens
é preciso considerar quais materiais farão parte do corpus. Não sendo possível analisar todas as matérias sobre um assunto ou tópico, é necessário trabalhar com séries de materiais, como uma sequência de notícias sobre o tópico em n jornais, ou mesmo a sucessão de matérias publicadas em um portal, as várias peças publicitárias de uma campanha de mídia, entre outros.
2. fazer a primeira leitura do material (olhar cambiante)
Esse processo ajuda a pensar como o material está organizado nos termos do que a pesquisa pretende enquanto objetivo. Ou seja, a análise prévia é feita sempre levando isso em conta
3. Descrever o material
É importante descrever com detalhes o que será estudado. Informações como data, local de publicação, divisões (manchete, linha fina, olho, fotografias, links e vídeos) são elementos relevantes. Esse processo tem o intuito de entender a “forma” do conteúdo.
4. Identificar as unidades de análise
Aqui é onde você irá fragmentar a mensagem em pequenas unidades com sentido. Assim, um título, um slogan ou um parágrafo podem ser entendidos como uma unidade da análise. Quem escolhe a dimensão (tamanho) da unidade é você, a depender dos seus propósitos de pesquisa.
5. Definir as categorias de análise
Elas são o centro da AC. As categorias podem ser entendidas como o conjunto coerente das unidades de análise. Para chegar nelas, só mesmo identificando as unidades da análise de forma dinâmica, observando os pontos em comum. É importante destacar que as categorias podem nem sempre serem as mesmas do início ao fim do trabalho: conforme vamos lendo e nos aprofundando teoricamente, novas categorias podem surgir.
Sugestões de leitura para Análise de Conteúdo:
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2011.
DORNELLES, J. P.; MEDEIROS, V. R. & MARTINS, M. N. Tática metodológica: a análise de conteúdo na pesquisa empírica em comunicação. Revista Temática, ano X, n. 05, Mai/2014..
FRANCO, M. L. P B. Análise de conteúdo. Brasília: Liber Livro, 2012.
Literatura de referência:
Recentemente, os pesquisadores Rafael Cardoso Sampaio e Diógenes Lycarião lançaram um manual sobre a Análise de Dados Categorial, incorporando uma revisão da técnica de Análise de Conteúdo em termos teórico-metodológicos. O lançamento do livro tem como objetivo rediscutir a AC a partir de novos critérios, mais voltados à confiabilidade, incluindo amostragem, disponibilização e acesso dos livros de códigos, treinamento, codificadores e testes. Os autores partem da premissa de que a Análise de Conteúdo hoje está atrasada em termos de adequação à nova dinâmica de conteúdos e textos possíveis de serem analisados, em especial com a chegada da internet.
O livro de Laurence Bardin, apesar de uma referência na área de comunicação e humanidades, é utilizado pela maioria absoluta dos trabalhos que propõem fazer o uso da Análise de Conteúdo. O problema é que a última edição atualizada deste livro em 1977, com revisões datadas até os anos 90. O manual pode ser baixado gratuitamente neste site. Recomendamos vivamente a leitura!
O QUE É ANÁLISE DO DISCURSO (AD)
Antes de começarmos a falar do “método” Análise do Discurso (AD), é preciso esclarecer um ponto fundamental: a Análise do Discurso não é, a rigor, um método, mas uma teoria. Isso se deve ao fato de que ela tem mais a ver com pensar sobre o discurso que estamos lidando na pesquisa, observando as relações dos enunciados com os contextos (históricos, sociais, culturais, ideológicos) e também com outros discursos. Assim, segundo Martino, não há como conceber apenas uma única Análise do Discurso, mas várias perspectivas da Análise do Discurso de diferentes países. A França, por exemplo, tem uma longa tradição nesses estudos, sendo Michel Pechêaux, Michel Foucault, Julia Kristeva, Dominique Maingueneau e Patrick Charaudeau alguns dos nomes mais conhecidos.
Helena Namine Brandão, no livro Comunicação e Análise do Discurso, organizado por Roseli Fígaro (Editora Contexto, 2015), destaca que a Análise do Discurso tem como objetivo analisar não somente os aspectos linguísticos dos discursos, como também a dimensão extralinguística. Assim, a ideia é que esta teoria possa ajudar a desvelar o que está por trás dos enunciados e como se dão suas construções de sentido no mundo em um determinado tempo histórico. Assim, um ponto que deve ser sempre lembrado é a sua preocupação com as condições de produção do discurso:
A noção de condições de produção pode ser definida como o conjunto dos elementos que cerca a produção. No sentido mais restrito, diz respeito à situação de enunciação que compreende o eu-aqui-agora; num sentido amplo, compreende o contexto sócio-histórico-ideológico que envolve os interlocutores, o lugar de onde falam, a imagem que fazem de si, do outro e do objeto de que estão tratando. Todos esses aspectos devem ser levados em conta quando procuramos entender o sentido de um discurso (Helena Namine Brandão, p. 22-23)
Além da observação das condições de produção do discurso, uma característica relevante da Análise do Discurso é que ela busca compreender as implicações sociais dos sentidos dos discursos analisados. Não se trata de entender os “efeitos” dos enunciados, mas como eles podem reforçar, reproduzir ou mesmo contestar valores da nossa sociedade. Diferentemente de outras análises, a Análise do Discurso preocupa-se em entender as mensagens não como “conteúdos” com sentido fechados do início ao fim, mas com discursos sempre abertos a intervenções dos sujeitos.
Contudo, vale destacar que mesmo se posicionando como uma teoria, podemos utilizá-la no âmbito metodológico.
Sugestões de leitura sobre Análise do Discurso:
FÍGARO, Roseli (Org.). Comunicação e Análise do Discurso. São Paulo: Contexto, 2015.
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de Comunicação. São Paulo: Cortez, 2014.
FIORIN, José Luiz. Elementos de Análise do Discurso. 15ª ed. São Paulo: Contexto, 2018.
ORLANDI, Eni Puccineli. Discurso em Análise: sujeito, sentido, ideologia. 3ª ed. Campinas: Pontes Editores, 2017.
O QUE SÃO TÉCNICAS DE ANÁLISE DE TEXTO (TAT)
Você pode estar se perguntando: e onde entram as Técnicas de Análise de Texto (TAT)? Para responder a esta questão, deve-se ter em mente que as Técnicas de Análise de Texto servem aqui como um modo de organizar os dados de um corpus. Assim, elas podem ser utilizadas de modo combinado com a Análise de Conteúdo e Análise de Conteúdo. Por exemplo, quando você precisar fazer uma primeira leitura do material, poderá fazê-la com maior robustez do que simplesmente “passar o olho” demoradamente para os padrões. Assim, utilizar os recursos das Técnicas de Análise de Textos deixam a operacionalização da análise muito mais rápida, algo que deve ser levado em conta quando iremos criar categorias de sentido nas análises. Além disso, os softwares e ferramentas utilizadas podem oferecer insights que manualmente dificilmente teríamos, como a possibilidade de visualizar os dados do corpus em grafos.
Com as opções de visualização aprimorada, podemos expandir nossa capacidade de observação e categorização semântica dos materiais, incorporando imagens das redes de sentido a partir de ferramentas como Voyant-Tools e WORDij. Além da questão técnica, as Técnicas de Análise de Textos também podem gerar insights estatísticos valiosos sobre os padrões de organização dos sentidos pela língua em uma comunidade.