A pandemia de covid-19 afetou duramente a condição de acesso de milhões de brasileiros e brasileiras a uma alimentação saudável. Isso é o que revela a pesquisa “Efeitos da pandemia na alimentação e na situação da segurança alimentar no Brasil”, desenvolvida por pesquisadores brasileiros na Universidade Livre de Berlim. Coordenado pela Grupo de Pesquisa Alimento para Justiça: Poder, Política e Desigualdades Alimentares na Bioeconomia com o apoio da Universidade Federal de Minas Gerais e da Universidade de Brasília, a investigação também teve a participação do IBPAD na parte operacional, com o desenvolvimento e aplicação de questionários. Participam da pesquisa os pesquisadores Eryka Galindo, Marco Antonio Teixeira, Melissa de Araújo, Renata Motta, Milene Pessoa, Larissa Mendes e Lúcio Rennó.
O relatório apresentado pelo grupo no último dia 13 (terça-feira) acompanha uma série de publicações sobre temas importantes como política, trabalho reprodutivo e alimentação. Neste último, em especial, a pesquisa buscou estabelecer relações entre dados empíricos e debates envolvendo desigualdade, poder, política e bioeconomia, de modo a fortalecer a discussão na academia e fora dela. O IBPAD é um dos parceiros do relatório e ofereceu algumas ferramentas e equipes para auxiliar os pesquisadores e universidades envolvidas.
Os dados da pesquisa foram obtidos a partir de um survey respondido por telefone, abordagem que tem sido adotada inclusive pelo IBGE, tendo em vista as recomendações sanitárias de distanciamento social. Ao todo, foram ouvidas 2004 pessoas das cinco regiões administrativas do país, entre agosto e dezembro, considerando marcadores sociais como gênero, raça/cor, escolaridade, situação territorial e renda per capita. A busca por uma diversidade amostral adotada tem o intuito de tornar os dados mais próximos da realidade demográfica e social brasileira.
Os resultados da investigação apontam que 59,4% dos entrevistados, o que representaria 6 em cada 10 brasileiros, estão em situação de insegurança alimentar, contra apenas 40,6% com segurança alimentar. A insegurança alimentar significa, basicamente, a falta de alimentos para o suprimento das necessidades humanas básicas diárias. Desse percentual, 31,7% apresentam insegurança alimentar em nível leve, 12,7% em moderado e 15% em estado grave. No Brasil, a insegurança alimentar também se manifesta com muitas disparidades a depender da região: no Sul, por exemplo, o percentual é de 51,6%, enquanto que no Nordeste e Norte, os valores chegam a 73,1% e 67,7%, respectivamente. As regiões Sudeste e Centro-Oeste apresentam percentuais de 53,5% e 54,6%, respectivamente.
Domicílios localizados em áreas rurais também apresentam maior vulnerabilidade: 75,5% contra 55,7% das áreas urbanas. Além disso, casas chefiados por apenas uma pessoa também são mais afetadas (66,3%), sobretudo quando se trata de uma mulher (73,8%) ou pessoa negra (67,8% para autodeclarados pardos e 66,8% para pretos). Aquelas pessoas que possuem crianças de até 4 anos também possuem mais dificuldades (70,6%), enquanto que aqueles com crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos esse número é de 66,4%.
“A análise dos dados sobre o perfil de consumo de alimentos conjugados com a proporção da insegurança alimentar nos domicílios brasileiros mostra a gravidade da carência ao acesso a alimentos saudáveis que os lares brasileiros têm passado durante a pandemia, que afeta sobretudo alguns estratos da população brasileira: mulheres, pessoas de cor ou raça preta e parda, moradores das regiões Norte e Nordeste e de áreas rurais, domicílios com crianças e com menor renda per capita. Esta pesquisa oferece um grave retrato das desigualdades alimentares presentes no Brasil em tempos de pandemia da Covid-19.” (Relatório da pesquisa Efeitos da pandemia na alimentação e na situação da segurança alimentar no Brasil).
Os alimentos saudáveis mencionados pela pesquisa incluem carnes, com consumo reduzido em 44% na pandemia; frutas, com diminuição de 40,8%; queijos, em 40,4%; e hortaliças e legumes, com redução de 36,8%. Doces e guloseimas, considerados alimentos de baixo valor nutricional e alto teor de açúcares e gorduras, tiveram um aumento no consumo de 9% na pandemia, o que revela uma maior presença dos ultraprocessados na dieta dos brasileiros nesse período.
Apontamentos e perspectivas
Na publicação, os pesquisadores apontam que os conflitos e instabilidades vividos na esfera política nos últimos anos, bem como as acentuadas crises sociais e econômicas recentes, já colocavam uma grande parcela da população em situações de insegurança alimentar. A pandemia do novo coronavírus (covid-19) fez acentuar ainda mais as desigualdades existentes, o que levou mais da metade da população a enfrentar mais fome e riscos de insegurança alimentar. Políticas macroeconômicas, principalmente as ligadas ao abastecimento, também contribuíram para elevar os preços e também dificultar a distribuição em todo o território nacional.
A pesquisa realizada no período pandêmico é considerada inédita no país e está disponível no repositório institucional da Universidade Livre de Berlim, incluindo relatório final. No dia do lançamento, os pesquisadores fizeram uma transmissão ao vivo pelo YouTube para apresentar os resultados e interagir com o público sobre os processos e desafios enfrentados. Além desta publicação, existe ainda a possibilidade de mais dados serem disponibilizados num futuro próximo.
Confira o infográfico completo disponibilizado pelos pesquisadores: